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quarta-feira, 23 de junho de 2010

Linguagem do texto deve ser acessível a todos

Por João Francisco Neto
Diversas categorias profissionais têm por hábito a utilização de uma linguagem particular que, reunindo termos compreendidos apenas entre eles próprios, acabam por formar aquilo que se denomina de “jargão profissional”.
Uma das mais conhecidas é a classe dos operadores do Direito, formada por advogados, juízes, promotores, procuradores, e consultores jurídicos, entre outros. Mas, enfim, o que há de errado com essa linguagem própria? O problema é que, por força da tradição e dos costumes, a chamada linguagem jurídica acaba se tornando de difícil compreensão para o cidadão comum, que lê o texto, mas não consegue entendê-lo perfeitamente.
Os profissionais da área, por sua vez, acabam empregando essa linguagem sem refletir sobre esses efeitos nocivos; e há até quem considere que o estilo jurídico seria quase uma ferramenta, privativa dos integrantes da classe profissional. É um erro. De uns tempos para cá, muita reflexão tem sido feita, na tentativa de simplificar a linguagem forense, para torná-la mais clara para a maioria das pessoas. Afinal, sempre que escrevemos um texto, o objetivo é que a mensagem possa alcançar a todos que o lerem. Mas, nem sempre isso acontece.
É bom esclarecer que esse problema não existe só no Brasil. No final da década de 1990, iniciou-se na Inglaterra um movimento para descomplicar a linguagem jurídica, que lá era bem mais confusa do que aqui. O inglês jurídico (chamado de “legalese”) incorpora expressões do latim, do inglês arcaico, do francês e muitas da época da elaboração da Carta Magna (ano de 1215). A campanha vem dando tão certo que, hoje, a redação jurídica praticada na Inglaterra é muito mais clara e compreensível do que a dos Estados Unidos, que permanece recheada de expressões provenientes do latim e dos primórdios da common law.
Nos Estados Unidos também há muitas reclamações, porém lá a mudança está como aqui, ou seja, bem lenta, quase imperceptível. Na prática, nada vem mudando; o que há são apenas discussões e reflexões sobre a necessidade de simplificar e clarear a linguagem forense. É muito difícil derrubar costumes e tradições, que fazem parte da formação acadêmica dos profissionais.
Na Inglaterra, o movimento para essa mudança envolveu associação de juízes, tribunais, ordem dos advogados, faculdades de direito, revistas jurídicas, a imprensa, grupos organizados da sociedade civil, enfim, praticamente todo o país. Foram realizados congressos, seminários, palestras, manuais e apostilas, tudo para divulgar o benefício que poderia resultar de uma mudança dessa natureza.
Lá, num dos diversos manuais distribuídos, consta uma síntese dos problemas encontrados nos textos mais complicados, e que, obviamente, devem ser evitados, seja em inglês ou em português: a) frases e períodos muito longos (seja breve e direto); b) uso da voz passiva (sempre que possível, empregue o verbo na voz ativa); c) uso de verbos fracos (utilize verbos que caracterizem claramente a ação; d) emprego de palavras supérfluas, que, além de desnecessárias, tornam o texto mais longo; e) utilização de palavras e expressões abstratas (procure aproximar o texto da realidade, com palavras apropriadas para a situação); f) evite detalhes desnecessários (o excesso prejudica a clareza do texto); e g) sempre que possível, evite empregar expressões e termos técnicos conhecidos apenas pela categoria profissional (se não houver prejuízo, substitua por expressões de uso geral).
Por fim, o que se espera de um bom texto, seja ele jurídico ou não, é que seja claro, objetivo, conciso, que observe as regras gramaticais da língua, que evite palavras estranhas e expressões obscuras, para não dar margem a segundas interpretações, que empregue as palavras mais simples e adequadas à situação, e que vá direto ao assunto, sem voltas desnecessárias. A redação deve servir para esclarecer as situações, e não para torná-las mais confusas, ainda.

jfrancis@usp.br

Publicação do texto gentilmente permitida pelo autor

Publicado originalmente na revista Consultor Jurídico, em 19.6.10

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