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Tamanha é a sanha do delegado federal Protógenes Queiroz em dar um xeque-mate no controvertido banqueiro Daniel Dantas, de quem se costuma dizer que opera no limite da legalidade, que ele teria, ao que parece, se tornado adepto do lema segundo o qual os fins justificam os meios.
O voluntarioso policial teria transposto a fronteira, para além da qual se situa o território do estado policial. O Serviço Nacional de Informações (SNI) da ditadura militar e seus análogos de tantos outros regimes totalitários operavam dentro dessa tenebrosa lógica de sacralização dos fins.
O delegado, procuradores e demais envolvidos na temerária investigação encontram apoio entusiasmado naqueles que se esqueceram, ou desprezam, os perigos de se deixar de balizar pela lei e ceder à tentação de empregar métodos de apuração para lá de heterodoxos; uma espécie de metodologia diferenciada de investigar, por assim dizer.
Existe, todavia, um quê de ironia nessa trama toda em que dezenas de agentes da Agência Brasileira de Informações (Abin), órgão diretamente ligado à Presidência da República, teriam sido mobilizados para bisbilhotar a vida de, entre muitas outras pessoas, um dos filhos do presidente da República.
Então diretor da agência, o delegado federal aposentado Paulo Lacerda caiu em desgraça após a trapalhada vir à tona. Mesmo assim, foi premiado por Lula, apesar de tantos pesares, com o vistoso cargo de adido policial em Lisboa.
Ora, se nada menos que 84 espiões da Abin, então sob o comando ou, talvez pior ainda, à revelia de Lacerda, tiveram acesso a esse aluvião de informações ultrassensíveis, em boa parte obtidas ilegalmente, deve haver integrantes da tal comunidade de informações, e não só dela, sabendo mais do que deveria ou poderia saber a respeito de gente graúda do governo, de outras instituições e de figuras carimbadas da sociedade e do empresariado.
Há gente cobrando em voz alta providências do Planalto, que se recolhe em um eloquente silêncio. Uma situação embaraçosa e perigosa, em que o governo simplesmente perdeu o controle de parte das máquinas policial e de “inteligência”; aquela, não custa lembrar, sob a responsabilidade direta do ministro da Justiça, Tarso Genro; esta, subordinada ao general Jorge Félix, chefe do gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI). Muito mal comparando, a Abin seria a homóloga brasileira da americana CIA.
Aparece aí, desnudo, o perigo do atropelo da legalidade. Informações a granel guardadas nos arquivos particulares de um operoso delegado federal, quem sabe até com cópias de segurança espalhadas por aí, ou mesmo simplesmente na memória dos que a elas tiveram acesso.
Protógenes Queiroz foi quem prendeu o notório contrabandista Law Kin Chong. Um bom policial que, por algum motivo, por um sentimento exacerbado de Justiça, como aquele que acomete os justiceiros, teria rasgado os manuais de procedimentos e a Constituição, quem sabe encorajado por procuradores e até gente do Judiciário.
Chega um ponto, como chegou nos Estados Unidos pós Onze de Setembro, e no Reino Unido, em que a degradação das instituições, ou o desrespeito a elas, parece ser a salvação. Por trás dessa ilusão, ergue-se um panorama institucional com o qual a sociedade não conseguirá conviver por muito tempo.
Na Inglaterra, os cidadãos vivem sob o escrutínio de nada menos que 4, 285 milhões de câmeras de televisão, e o governo está prestes a ceder à tentação de xeretar mais ainda a vida alheia, coletando e guardando informações de e-mails, gravações telefônicas e sobre o tráfego de internet dos britânicos. O prenúncio de um Estado plenipotente.
Não por acaso, o deplorável programa televisivo Big Brother foi, salvo engano, inventado na Grã Bretanha. A informação é uma das maiores e mais eficazes formas de poder, e espionar a vida alheia, com ou sem maus propósitos, é quase irresistível; e é exatamente por isso que (ainda) vigoram no Brasil leis que coíbem a prática.
Se o delegado Protógenes houver, de fato, extrapolado seus poderes investigatórios, haverá de responder por isso juntamente com todos os que o tiverem auxiliado na temerária empreitada. Não poderá haver nenhum tipo de complacência com os autores dessa provável devassa eletrônica, e aí se deverá incluir, inapelavelmente, os superiores dos que houverem perpetrado os ditos abusos: o ministro da Justiça, o diretor da Polícia Federal, o chefe do Gabinete de Segurança Institucional e o diretor da Abin.
A respeito da eventual punição dos que porventura vierem a ser comprovadamente apontados como responsáveis por esse emaranhado de investigações, não convém alentar ilusões em relação à anunciada ressurreição da CPI dos Grampos, a caminho de um fim melancólico que, todavia, não destoaria do padrão desse tipo de investigação parlamentar.
Prova disso é que o deputado Raul Jungmann (PPS-PE), defendendo sua prorrogação, observou que o inquérito a que a revista Veja teve acesso para publicar aquela avalanche de denúncias a respeito da atuação do policial e dos arapongas da Abin é o mesmo que se encontra em poder da CPI que, pelo jeito, viu, mas não enxergou nada de mais na documentação; ou, ainda, descobriu coisas importantes demais para ser trazidas a público.
Para tanto, o Judiciário deverá se mostrar forte, como tem se mostrado o juiz federal condutor, com o sólido apoio do Conselho Nacional de Justiça, do inquérito onde se apuram os supostos abusos, que tem sido, juntamente com o delegado-corregedor da PF, alvo de pesadíssimas pressões daqueles a quem não convém o levantar do tapete que pode esconder muita, muita sujeira.
Luiz Leitão luizmleitao@gmail.com
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