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segunda-feira, 14 de maio de 2007

A presunção da inocência e a liberdade de imprensa

Há algum tempo, o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, veio a público pedir desculpas a um grupo de irlandeses, vítimas de um grosseiro erro judiciário-policial que os manteve presos por cerca de 17 anos, sob a acusação de manipularem explosivos, até que ficou definitivamente provada a sua inocência. Tudo com base em provas “científicas” que, mais tarde, se mostraram falsas. Em 2005, policiais civis de São Paulo foram declarados inocentes, após permanecerem encarcerados por um ano e sete meses, e agora, vem à tona o caso da mãe acusada de matar sua filha pondo cocaína na mamadeira. Reações emocionais costumam subtrair a verdade dos fatos. A médica que atendeu a criança se apressou a chamar a mãe de assassina, provavelmente porque a acusada era conhecida na cidade como ex-usuária de drogas. A prova “técnica”, como no caso dos irlandeses, apontou a presença de cocaína na mamadeira da criança, e com base nisto a polícia a manteve presa. Um segundo exame provou que não havia presença de droga na vísceras da vítima. A acusação da mãe, de que fora estuprada por um médico daquele hospital foi tratada de maneira diversa, se bem que correta: o nome do suposto autor não foi revelado. Dois pesos e duas medidas, portanto. Um juiz federal de São Paulo, injustamente acusado pela Polícia Federal, na operação Anaconda, e por promotores, está processando a União, um delegado e dois membros do Ministério Público. No entanto, esta informação não foi divulgada por toda a imprensa com o mesmo destaque das denúncias, de modo que o magistrado, aos olhos de muita gente, ainda será considerado culpado. O caso de Eduardo Jorge Caldas Pereira, ex-secretário-geral da Presidência da República (governo FHC), é outro exemplo de abuso do Ministério Público, que a mídia noticiou com grande alarde como verdade. Eduardo Jorge foi inocentado em todos os processos movidos contra ele. Cabe, então, a reflexão: aplica-se ou não o benefício da dúvida em favor de suspeitos? Por benefício entenda-se a não publicação das denúncias, ou, no mínimo, de seus nomes. Existe o conceito de inocência até prova em contrário, e mesmo alguns flagrantes são discutíveis; por isso mesmo é preciso, em muitos casos, resguardar a identidade dos acusados. Mas a mídia tem ignorado este aspecto, nomes de envolvidos em crimes são divulgados sem maiores preocupações com a questão da presunção de inocência, o que, de certa forma, se traduz em uma condenação antecipada. Um pré-julgamento moral, porque se a pessoa for inocentada, já terá sofrido a punição psicológica, muitas vezes mais dolorosa que o encarceramento. Se, de acordo com pronunciamento do senador Renan Calheiros, no ano de 2000, for verdade, ainda hoje, que 90% dos crimes não são esclarecidos, e levando-se em conta que uma parcela ínfima, desprezível, chega a ocupar as manchetes, a não-identificação de suspeitos não seria algo tão absurdo. A respeito disso a Constituição é clara: “É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”.”Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Se a Lei Maior diz que todos são inocentes até prova em contrário, não se justifica a divulgação de imagens dos detidos, tampouco revelar suas identidades. De que adianta aos leitores conhecer o nome dos envolvidos num suposto crime? Não basta saber como, quando e onde ocorreu? Será mesmo que o direito à informação se sobrepõe às garantias fundamentais que a Constituição deveria garantir? As vítimas destas ações, além de sofrerem o demolidor peso do cárcere, por poucos dias ou por um longo tempo, como no caso dos policiais paulistas e dos cidadãos irlandeses, ainda têm de amargar o fato de terem suas vidas destruídas, e manchas deste tipo na reputação das pessoas costumam ser indeléveis. Tudo com efeitos colaterais sobre familiares, filhos especialmente, expostos a comentários de colegas de escola, por exemplo. Ante a recorrente desobediência aos preceitos constitucionais não adianta falar em indenizações, elas não pagam o imensurável sofrimento dos injustiçados, como no caso dos donos da Escola de Base, que foram vítimas de uma denúncia infundada de pedofilia por um grupo de mães paranóicas, e do exibicionismo de um delegado de polícia. Alguém poderá argumentar que a omissão dos nomes ou das imagens de suspeitos deixaria a sociedade indefesa, ao não poder identificar os criminosos, que a Justiça está aí para reparar os males – embora certos danos morais não sejam sequer amenizáveis com desculpas ou dinheiro -, e terá sua parcela de razão, pois o coletivo se sobrepõe ao individual. Mas, se a população perde o direito de conhecer o nome de eventuais infratores, não há, aí, um dano claramente estabelecido, ao passo que o sofrimento de quem foi exposto sem razão é patente. Além do mais, lei é lei, e a Constituição é muito clara sobre a defesa da imagem e honra dos presos. Aliás, que caminhos subterrâneos percorrerão, eventualmente, certas informações privilegiadas, como dados protegidos por segredo de Justiça, que, às vezes, vêm às manchetes? Que interesses norteiam a divulgação antecipada de ações policiais à imprensa, onde se permite filmar e fotografar pessoas detidas? Não se pode classificar como censura uma postura mais responsável, que proteja acusados sem culpa formada.

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