Há bem pouco tempo veio a público a notícia de que um inocente, Wagno Lúcio da Silva, (artigo Oito anos de injustiça) ficou oito anos preso, injustamente acusado de latrocínio, num processo baseado na testemunha de um menor, co-autor do crime. Wagno apanhou, perdeu todos os dentes e teve sua vida destruída, perdeu seus bens e a família o abandonou.
Solto, virou celebridade por uma semana e depois caiu no esquecimento geral.
Aquele foi um erro judiciário, exclusivamente, e o réu sequer pôde apelar em liberdade, como o jornalista Pimenta Neves, condenado a 19 anos por homicídio. A Justiça do rico, generosa e a do pobre, dura, monolítica. No artigo, observei que pelo tamanho de nossa população carcerária, seria muito provável haver casos semelhantes, e que a vítima da negligência do Estado levaria ainda talvez outros oito anos para obter alguma reparação.
Surgiu nesta semana (5/5/06) nas páginas do jornal Folha de S. Paulo o caso de Marcos Mariano da Silva, por incrível que pareça uma injustiça maior e mais cruel. Num absurdo ato de negligência cometido pelo Estado, Silva ficou nada menos que 19 anos preso “sem julgamento”, algo inadmissível, flagrantemente inconstitucional.
Desta vez não se pode falar exatamente em erro judiciário, já que Marcos sequer foi julgado, tendo permanecido seis anos preso em Recife (PE) sob a acusação de homicídio, repetindo, sem julgamento, até que a polícia que o prendeu encontrou o verdadeiro culpado.
Solto, Marcos começou a reconstruir sua vida e sequer processou o governo, mas sua liberdade durou pouco, pois foi novamente preso por violação de condicional – que não existia, pois sequer era um detento.
Com isto, ficou mais treze anos preso, apanhou e acabou ficando cego durante uma rebelião, ao ter seus olhos atingidos por fragmentos de bombas de efeito moral lançadas pela polícia.
Somente em 1998 ele foi descoberto indevidamente preso, graças à ação de um mutirão judicial de revisão dos processos no presídio em que estava.
Desta vez, solto, processou o Estado, pleiteando seis milhões de reais e ganhou a ação em primeira instância, mas com um valor irrisório para o caso, pouco mais de R$340 mil. Recorreu e ganhou o direito de receber dois milhões de reais, mas o Estado novamente recorreu.
Como pode o Estado permitir que uma pessoa seja presa, confinada numa cela com outras 48 pessoas e apenas seis camas, ferida, perder a visão, reconhecer o erro e ainda ter a desumanidade de recorrer da decisão judicial, certamente apenas para efeito protelatório? E como pode a Justiça acatar o recurso de um caso em que o autor, o Estado, reconhece o seu erro?
Mais, caro (a) leitor (a): neste caso é evidente a negligência do agente do Estado, mas quem paga pelo erro não é ele, e sim a sociedade, na figura do Estado. Não só aqui, mas em Londres, onde o Brasileiro Jean Charles de Menezes foi executado, os policiais sequer foram processados e nossa angelical diplomacia deixou pra lá.
Numa ação inusitada, absolutamente inesperada do Poder Público, o governador de Pernambuco, José Mendonça (PFL) baixou um decreto mandando o Estado pagar uma pensão mensal vitalícia de R$1.200,00 mensais a Marcos Mariano. Um belo gesto deste governador, mas muito pouco para quem perdeu a visão e 19 anos de sua vida, além da família e de seus bens.
Pode-se dizer que Marcos Mariano passou uma longa temporada no inferno, em condições subumanas, inaceitáveis quando se estima que o custo mensal de um preso no sistema penitenciário é da ordem de R$1.500,00.
Comparando-se o real, inconsútil sofrimento de Marcos com o dos anistiados da ditadura, alguns dos quais recebem pensões de 19.000 reais mensais, além de indenizações milionárias, mesmo aqueles que mal receberam uns cascudos, vê-se que o Estado não sabe avaliar seus erros. Pródigo com os anistiados e sovina com inocentes presos “comuns”.
Novamente aqui a mesma pergunta: quanto valem 19 anos da vida de um inocente; mais, quanto vale perder a visão? Nada disso tem preço, é óbvio, tanto quanto é um erro grotesco pagar indenizações e pensões generosíssimas a anistiados políticos.
Uma coisa é certa: quaisquer valores que sejam fixados a título de indenização e pensão serão sempre muito pouco para quem passou por tamanho sofrimento, de resto imensurável.
E outra vez aqui a mesma suposição feita após a revelação do caso de Wagno Lúcio - e confirmada por esta tragédia: certamente haverá vários outros injustamente presos neste animalesco sistema carcerário brasileiro.
É essencial que o Judiciário encontre meios de revisar os milhares de processos que envolvem mais de 300 mil presos, a nossa população carcerária que inclui, frise-se, não-criminosos presos por não pagar pensão alimentícia.
Uma tarefa hercúlea, sem dúvida, manusear autos com centenas ou milhares de páginas, amarradas com barbante, coisa de um anacronismo abissal na era da informática.
Luiz Leitão
Astronomia, astrofísica, astrogeologia, astrobiologia, astrogeografia. O macro Universo em geral, deixando de lado os assuntos mundanos. Um olhar para o sublime Universo que existe além da Terra e transcende nossas brevíssimas vidas. Astronomy astrophysics, astrogeology, astrobiology, astrogeography. The macro Universe in general, putting aside mundane subjects. A look at the sublime Universe that exists beyond Earth and transcends our rather brief life spans.
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quinta-feira, 19 de abril de 2007
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