Pesquisar conteúdo deste blog

domingo, 14 de setembro de 2014

O Complexo de Copérnico


O  Complexo de Copérnico


Será a Terra de fato tão especial, pergunta o aclamado astrobiólogo neste inebriante estudo. E quais as chances de haver vida extraterrestre?


Complexo de Copérnico : A busca por nossa  (Des)Importância Cósmica


Caleb Scharf
Uma jornada pelas recentes descobertas na área da astronomia e da física que indicam nossa insignificância cósmica, revendo uma das bases fundamentais  da ciência moderna. Scharf  apareceu em "Horizon" e outros programas científicos.Embora o conceito de "o universo" sugira algo que tudo contém, as mais recentes ideias na área da cosmologia indicam que nosso universo pode ser apenas um entre muitos outros. Este título nos conduz por uma inédita aventura cósmica, desde minúsculos micróbios na Terra até distantes exoplanetas, e além.


A estrela V838 Monocerotis, localizada a cerca de 20.000 anos-luz da Terra, na borda externa da Via Láctea
O Princípio Copernicano mudou tudo. Não foi  formulado por Nicolau Copérnico, que, em 1543, propôs apenas que a Terra não era o centro do universo, e que o movimento dela ao redor do Sol podia explicar as irregularidades que ocorrem nos céus. Àquela época, ideias como aquela poderiam levar seu autores a serem condenados à fogueira.Mas ela marcou o início de uma revolução. A hipótese moderna em uso, chamada Princípio Copernicano, diz que  nosso planeta, sistema solar, galáxia ou mesmo nosso lugar no universo, não têm nada de especial.
Tampouco há qualquer coisa de especial sobre o presente. As leis da física não mudaram em 13,8 bilhões de anos. Em um inimaginável futuro cósmico, a velocidade da luz no vácuo será a mesma, e a mecânica das ondas – de água, sísmicas ou de luz – serão como eram no começo. As propriedades do hidrogênio e hélio são as mesmas, e as forças gravitacionais que deram forma ao sistema solar não são diferentes em Andrômeda,ou na Nebulosa da Orion . A maneira peculiar com que diferentes átomos e moléculas absorvem e irradiam luz em comprimentos de onda previsíveis é a mesma na corona solar e no espaço intergaláctico à distância de1 bilhão de anos-luz.
Esse reconhecimento de nossa mediocridade cósmica tem tido consequências, pelas quais palavras como "maravilhoso" e "incrível" são meros eufemismos. Pode-se analisar a luz de uma galáxia nos confins do universo visível e calcular que ela está se afastando aceleradamente de nós. E assim ocorre com todas as galáxias distantes. Se elas estão se distanciando aceleradamente, então, um dia, devem ter estado muito próximas, em um universo inconcebivelmente denso e quente. Se for assim, o calor remanescente deste Big Bang ainda deve ser detectável, mesmo nos espaços interestelares.
Se for possível prever essa temperatura, e então detectá-la (ambas essas coisas aconteceram em 1965), duas coisas serão confirmadas. Uma é que o cosmos teve um começo, um momento do "faça-se a luz", e uma história subsequente que pode ser montada com precisão. A outra é que o Princípio Copernicano liberta.
É nesse ponto que começam as dificuldades. O mesmo raciocínio abre caminho para mais duas ideias. Devido ao fato de as assinaturas espectrais – as pequenas linhas de absorção da luz que brilha através dos elementos e compostos – serem consideradas as mesmas em qualquer lugar, os astrônomos reconheceram a presença de álcool e água, e ácido fórmico e vinagre, e cianeto de hidrogênio, e todos os tipos de substâncias químicas orgânicas em todos os lugares da galáxia. A outra é o fato de os valores das forças físicas parecerem ser delicadamente afinados, e se as razões das constantes dessas forças tivessem sido ainda que minimamente diferentes, não teriam existido estrelas, planetas,  carbono, nem formas de vida baseadas em carbono. Essa coincidência cósmica é chamada Princípio Antrópico, e parece tão misteriosa e assustadora para alguns que o grande físico Freeman Dyson observou: "Eu acho que, de alguma forma, o universo deve ter sabido de antemão que nós surgiríamos."
Estranhamente, as mesmas  observações sugerem que o universo deve fervilhar de vida, mas, até onde se sabe, a vida só floresceu em um lugar. Então, para os únicos observadores racionais que conhecemos, a Terra é um lugar muito especial: o centro do universo, na verdade. As coisas, porém, tornam-se ainda mais estranhas. Ocorre que o Sol pertence a uma classe minoritária de estrelas. Desde 1995, os astrônomos conseguem, indiretamente,  confirmar a existência de milhares de outros sistemas planetários que orbitam estrelas distantes, e praticamente nenhum deles é como o sistema solar. Então, poderia haver algo especial no que diz respeito ao tamanho, às órbitas e à ordem dos planetas no nosso sistema solar, afinal.
Além do mais, as oportunidades de formação de estrelas e planetas estão começando a diminuir. De agora em diante, cada vez menos estrelas se formarão. E também ocorre que a Terra vem a ter a geoquímica correta, a órbita certa, à distância adequada, e uma Lua convenientemente situada para manter estável seu eixo em órbita por um tempo suficientemente longo para que a vida se desenvolva. Até onde se sabe, não há lugar como nosso planeta. Nós poderíamos muito bem ser extraordinários, mesmo sendo insignificantes.
Se o Princípio Copernicano fosse um dogma científico – em vez de um pressuposto de funcionamento vital –  Caleb Scharf estaria  propagando uma heresia cientifica ao questioná-lo. Entretanto sempre houve limites para o pressuposto. Se a matéria brotou do Big Bang como hidrogênio, hélio e uma pitada de lítio, e todos os demais 89 elementos foram forjados nos fornos termonucleares das estrelas, e então espalhados pelo espaço por supernovas, talvez 10 bilhões de anos tenham se passado antes que qualquer novo sistema estelar pudesse ter-se condensado e planetas rochosos com núcleos ferrosos pudessem começar a se formar, proporcionando locais propícios ao surgimento da bioquímica. Portanto há algo especial a respeito desta fase de criação.
Um universo que se expande a partir de um só ponto também pareceria muito diferente em ocasiões distintas: no começo, nenhuma estrela seria visível, simplesmente porque não existiriam estrelas. Neste exato momento, podemos ver outras galáxias em todas as direções, mas em alguma fase futura  todas elas terão cruzado um horizonte cósmico, e qualquer observador que houvesse em algum planeta solitário estaria sozinho em um universo frio e escuro: ele não teria nenhuma prova de que algum dia teria havido um começo.
Há detalhes locais peculiares da história da ciência: a cosmologia geocêntrica idealizada por Aristóteles e Ptolomeu e adotada de bom grado pelas autoridades cristãs só foi questionada porque Marte e os outros planetas não puderam se encaixar no quadro geral sem que houvesse o recurso a algumas complicadas elocubrações. Mas órbitas elípticas não são fixas: com o tempo, elas se tornam mais excêntricas ou mais  circulares. Em uma era diferente, Marte poderia ter se encaixado melhor no modelo, ou o movimento teria sido tão óbvio que somente um cosmos heliocêntrico teria sugerido a si próprio.
Também o futuro poderia nos contar uma nova história. Com supertelescópios ópticos nós logo poderemos ver não apenas planetas distantes semelhantes à Terra, mas até mesmo os sinais químicos da presença de formas de vida em sua atmosferas. A qualquer momento, um radiotelescópio pode começar a captar uma mensagem de alguma civilização muito distante e  muito tempo atrás na galáxia. Em ambos os casos, os humanos não mais estariam sozinhos, e a Terra não seria mais aquele lugar especial. Em qualquer dos casos, ainda haveriam  questões sobre as condições que tornam a ocorrência de vida possível.
Para resolver algumas dessas questões, Scharf, astrofísico e astrobiólogo, propõe um novo princípio "cosmo-caótico" que poderia explicar o aqui e agora, e o nós e "eles" que acreditamos que devam existir, em algum lugar. A vida, ele argumenta, talvez só seja possível nas fronteiras de quietude e caos, onde os acidentes de matéria e movimento ditam mudanças e variações sem oprimir as entidades emergentes e isso, por sua vez, pode tornar a vida inteligente um evento natural, porém muito raro.
Scharf não tem as respostas. Seu livro é uma excitante coletânea de perguntas respondidas com outras perguntas, e descobertas inéditas, incomuns, que tornam ainda maior o mistério da criação. Há duas décadas, os f´sicos falavam com convicção sobre uma "teoria de tudo" e um ou outro até propuseram um "fim da ciência". Agora, tudo mudou. Os mistérios se multiplicaram.
Esqueça o malicioso parêntese do subtítulo. Deixe de lado uma antiga tendência de rotular cientistas como budding, e a ciência como de ponta. Este livro se expande, como o próprio espaço-tempo, a partir de um ponto minúsculo. Começa com a famosa descoberta do pioneiro do microscópio Antony van Leeuwenhoek, em Delft, em 1674, de um microcosmo numa gota d'água de uma lago, e termina com especulações sobre uma civilização solitária, daqui a 100 bilhões de anos, em um vácuo congelante que não mais contém informações sobre nada. Livros como este nos fazem lembrar que temos sorte de estarmos aqui de toda maneira, e mais sorte ainda por estarmos aqui agora.






Nenhum comentário:

Postar um comentário