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domingo, 15 de junho de 2014

“Eles é que bebem e nós ficamos tontos”


José Nêumanne
Oposição não precisa ouvir Costa, mas saber por que Foster não fala da “conta de padeiro”
Relator da comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI) aberta (pelo menos em teoria) para investigar escândalos protagonizados pela maior empresa brasileira, a Petrobrás, o deputado Marco Maia (PT-RS) fez questão de avisar que a convocação do ex-diretor de Abastecimento da estatal Paulo Roberto Costa para nela depor não tardará.
Como é público e notório, Paulo Roberto Costa foi preso pela Polícia Federal quando tentava destruir provas que o comprometiam – no âmbito das investigações da Operação Lava Jato – na condição de parceiro do doleiro Alberto Youssef, acusado de ter “lavado” R$ 10 bilhões. O doleiro continua preso, mas o ex-diretor da Petrobrás foi solto por obra e graça de despacho do ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki: este interrompeu sua depressão de 59 dias na cela, mas manteve presos os outros 11 que o juiz Sérgio Moro, do Paraná, mandara prender.
Chegaram até a definir como “troco de pinga” a eventual perda de US$ 1 bilhão (R$ 2,3 bilhões) na compra da refinaria da Astra Oil belga em Pasadena (Texas), pela qual a presidente da estatal, Graça Foster, reconhece pelo menos um prejuízo de US$ 530 milhões (R$ 1,2 bilhão). Mas a conta da refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco, uma associação em que os brasileiros entraram com a grana e os venezuelanos com saliva, é muito mais pesada. Há duas semanas, o jornal Valor Econômico teve acesso a atas de reuniões do Conselho de Administração da Petrobrás e de sua leitura concluiu que o plano básico de organização da refinaria foi aprovado pelos conselheiros em 30 de outubro de 2008, mas só em 14 de janeiro de 2010 eles conheceram o estudo de viabilidade da refinaria, cuja construção já tinha sido iniciada. E no ano anterior, lembrou o jornal, a estatal havia captado R$ 10,5 bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para o projeto, que, por esta e outras, viria a se tornar a obra mais onerosa do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Pelos cálculos do jornal, a aventura teria elevado o valor a ser gasto na benemerência ao compadre Hugo Chávez à bagatela de R$ 40 bilhões, 10 vezes mais do que se previa no início do projeto (R$ 4 bilhões). A algum crítico renitente, como o autor destas linhas, ocorreria até concluir que a diferença não poderia caracterizar sequer um troco de vinho do Porto Taylor’s de mais de 150 anos, vendido a 2.500 euros (R$ 8 mil) a garrafa. Nenhuma definição, porém, será tão precisa quanto a dada pelo alto funcionário da Petrobrás encarregado da obra, Paulo Roberto Costa, que chamou o embrulho de “conta de padeiro” em entrevista à Folha de S.Paulo. Será a estatal gerida como se fosse uma padaria?
“Conta de padeiro” é um jargão que ainda não consta de dicionários e que significa cálculo feito às pressas, sem os devidos cuidados nem embasamento - neste caso específico, sem projeto algum que justificasse despesas de tal monta. Mas é provável que em próximas edições a expressão venha a ser incorporada ao “pai dos burros”. Ildo Sauer, um dos principais colaboradores na área energética do programa de governo de Lula e ex-diretor de Gás e Energia da Petrobrás, declarou-se perplexo com o uso da expressão, embora concorde com a evidência de que jamais o investimento na refinaria poderia ter passado de US$ 8 bilhões (R$ 19 bilhões), menos da metade do gasto ora previsto. A expressão, de acordo com Sauer, ofende “a história da Petrobrás, que sempre teve uma gestão profissional e técnica” e “é uma desculpa grosseira para justificar o injustificável”.
A oposição decidiu centrar fogo na investigação sobre Abreu e Lima e reclamou da comparação. “Padeiro não erra nem conta. Se errasse, as padarias quebravam”, disse o líder do DEM na Câmara dos Deputados, Mendonça Filho (PE), que insiste na abertura da “caixa de Pandora” da Petrobrás, mas não desiste do meio menos adequado para fazê-lo.
Seria a oposição deficiente em inteligência ou estaria interessada apenas nos holofotes postos no debate nos plenários do Congresso, controlados pelo governo, para compensar o triplo de tempo da aliança governista na propaganda eleitoral no rádio e na TV, aparecendo no noticiário de todo dia da CPMI? Há, contudo, coisas mais importantes a cuidar do que defender a sabedoria contábil dos donos de padaria ou a honra ameaçada da equipe técnica da estatal. Mais grave do que o tom zombeteiro da definição do suspeito-mor, preso para não destruir provas e solto por magnificência do julgador supremo, ou do que a afronta aos funcionários, que até agora não de nada reclamaram pela voz de seus líderes corporativos, é a declaração de Graça Foster. Questionada pelos repórteres ao sair da sede da Fundação Getúlio Vargas, no Rio, a presidente da Petrobrás parodiou o enigma da esfinge de Édipo Rei com uma sentença perturbadora e comprometedora: “Não é que eu não queira, eu não posso falar”.
Quando o Valor Econômico revelou que a empresa que ela preside autorizou despesas de milhões de reais sem embasamento técnico, a estatal negou, em nota oficial, que seu conselho tenha aprovado em apenas 14 dias contratos sem licitação com as construtoras Galvão Engenharia e Queiroz Galvão. Sim, e daí? Agora a sra. Foster diz que não “pode” falar sobre graves acusações que pesam sobre suas costas, feitas publicamente por seu ex-companheiro de diretoria, acusado de corrupção. Em vez de participar da inútil sabatina do ex-diretor ex-preso na CPMI, a oposição serviria melhor ao País se lembrasse à presidente da Petrobrás que ela tem satisfações a dar ao contribuinte, que sustenta sua empresa e paga seu salário, a respeito das estapafúrdias diferenças entre gastos previstos e despesas feitas, que não podem ser tidas como meros erros contábeis. A presidente da Petrobrás não deve agir como se estivesse servindo pinga no balcão de um boteco cujos clientes cantam A Turma do Funil ao contrário.
Jornalista, poeta e escritor
(Publicado na Pag.A2 do Estado de S. Paulo de quarta-feira 4 de junho de 2014)

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