Será que Dilma
não nomeou ministro para passeatas para não ser
o 40º das
2001 noites?
José Nêumanne
A presidente
Dilma Rousseff tem feito o possível para fazer do limão das multidões contra
tudo nas ruas das cidades brasileiras a mesma limonada envenenada com que seu
Partido dos Trabalhadores (PT) tenta em vão engabelar o País desde 2007. Há seis
anos os petistas querem moldar as instituições republicanas a seus interesses
específicos e impor a suas bases no Congresso Nacional uma reforma política que
favoreça, se não uma imitação tupiniquim do bolivarianismo chavista, pelo menos
a garantia de sua permanência no poder. Mas a acachapante maioria no Legislativo
não bastou para aprovar o que os maiorais do socialismo caboclo consideram
fundamental para manter suas “boquinhas”. Agora o povo foi para a rua e a chefe
do governo tentou incontinenti surrupiar suas palavras de ordem para convocar
uma Constituinte exclusiva, capaz de satisfazer os caprichos que a reforma
constitucional não possibilitou. O óbvio golpe sujo não colou, mas ela mantém
idêntica embromação em forma de consulta popular, o
plebiscito.
Acontece que as
multidões ocuparam as ruas para reclamar, primeiro, da elevação da tarifa do
transporte público. E daí em diante, sem oposição à altura que os represente na
democracia, os manifestantes passaram a protestar contra o óbvio: a inflação, a
impunidade, a violência, a corrupção e, sobretudo, a péssima prestação de
serviços por um Estado que cobra um absurdo de impostos. A Central Única dos
Trabalhadores (CUT), braço sindical do PT (ou será o contrário?), foi rechaçada
a pauladas de manifestação no Rio. E ninguém no País ouviu os gritos de
“fascistas” com que militantes esquerdistas tentaram abafar o clamor apartidário
que abortou a tentativa de infiltrar bandeiras do partido e camisas vermelhas
numa passeata na Avenida Paulista. Esses invasores obedeciam à palavra de ordem
do presidente nacional petista, Rui Falcão, que queria reverter a onda contra
políticos numa manifestação a favor de Dilma e seus correligionários, alvos
prioritários da insatisfação generalizada.
A resposta do
governo foi de um cinismo atroz. Com o ministro da Educação, Aloizio Mercadante
Oliva, no papel de Richelieu do Cerrado, dona Dilma pediu ao povo na rua o aval
para uma reforma política de interesse exclusivo de sua grei. O PT quer lista
fechada de candidatos indicados pela oligarquia partidária para furtar do
eleitor o direito de escolher seu parlamentar preferido. E financiamento público
exclusivo para campanha eleitoral para extorquir do bolso do contribuinte
despesas de propaganda de candidatos, cada vez mais altas. O cidadão já
contribui para o tal Fundo Partidário e está com as finanças exauridas de tanto
patrocinar vantagens e benesses dos “pais da Pátria”.
Ao fazê-lo, ela
diz que está ouvindo a “voz rouca das ruas”. Mas o povo quer mudar tudo e ela só
dará mais do mesmo. Enquanto seu ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciava
que aumentará a carga tributária, com que o brasileiro não suporta mais arcar,
para pagar promessas feitas para dissolver as passeatas das massas, ela reuniu
37 de seus 39 ministros, quase todos recrutados das bancadas dos partidos que
alicia para seu palanque para a reeleição.
Talvez ela não
tenha nomeado um ministro para cuidar das redes sociais porque o 40.º à mesa
lembrará certo conto das 2.001 noites. Tal referência certamente não é
nada agradável enquanto Rosemary Noronha, amiguinha íntima de seu padrinho e
antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, protagoniza um escândalo em que é acusada
pela Polícia Federal (PF) de fazer parte de uma quadrilha que traficava
influência na cúpula federal. Por que Dilma não aproveita a capacidade auditiva
que nunca tinha demonstrado antes para dispensar seu ministro da Justiça, José
Eduardo Martins Cardozo, da condição de Maquiavel do Planalto para que ele
solucione este caso e descubra quem lucrou com a tenebrosa transação da compra
da refinaria de Pasadena pela Petrobrás?
Mas ela preferiu
foi se aproveitar com desfaçatez oportunista da conquista da Copa das
Confederações, definindo a própria gestão, contestada em praça pública, como
“padrão Felipão”. Mesmo tendo o Datafolha revelado na véspera sua queda de 27
pontos porcentuais e a constatação de que já não ganharia a reeleição no
primeiro turno. Em vez de reunir o Ministério, cujo número a incapacita de
conversar com um por um, ela deveria tê-lo reduzido a 12, número fixado por
Jesus Cristo como ideal para uma equipe administrável. Mas como esperar isso de
quem convoca governadores, prefeitos, sindicalistas, gays e lésbicas para que a
escutem, e não para ouvi-los?
Pelos decibéis
de suas broncas em subordinados, que contrastam com o papel de boneco de Olinda
(só que falante!) que ela desempenha em pronunciamentos públicos convocados para
embromar os cidadãos, que trata como súditos, Dilma deve ter muita dificuldade
em ouvir a própria voz. Quanto mais a dos interlocutores que convoca para...
escutá-la! Seus berros de “otoridade”, porém, não impedirão que os clamores da
rua cheguem às casas dos brasileiros. A queda vertiginosa nas pesquisas deixa
claro que as favas para a reeleição já não são contadas e, se ainda é cedo para
prever sua eventual derrota no pleito, não custa lembrar que a galáxia de
adesões obtidas com a barganha de cargos por apoio parlamentar pode encolher com
os índices de prestígio.
De fato, seu
antecessor e padrinho Lula caiu para 28 pontos (dois menos do que ela agora) na
pesquisa Datafolha feita à época em que o mensalão foi denunciado e, ainda
assim, se reelegeu. Só que agora o julgamento desse escândalo no Supremo
Tribunal Federal STF) e a condenação de seus companheiros Dirceu e Genoino deram
à Nação a certeza de que seu partido em nada contribuiu para reduzir a corrupção
no País. E se ela continuar condescendendo com a inflação e a impunidade, os
cidadãos poderão sair de suas casas e das ruas para votar contra a perenização
do status quo que os deixa indignados.
Jornalista,
poeta e escritor
(Publicado na
Pág. A2 do Estado de S. Paulo na quarta 1º de julho de
2013)
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