José Nêumanne
Lula e Dilma
criaram as condições para a derrubada dos vetos dela à lei do
pré-sal
O óbvio
desinteresse da presidente Dilma Rousseff em impedir a derrubada de seus vetos à
lei que regula os royalties do petróleo tem muitas razões mais do que
podem pressupor seus aliados amuados que governam Estados produtores
prejudicados – em especial Sérgio Cabral (PMDB), do Rio. Ora, direis, se ela tem
(e se orgulha disso) maioria folgada no Congresso, como se permite aceitar
passivamente a aparente desmoralização de sua autoridade com uma rebelião maciça
de Estados que antes não participavam da divisão do bolo que promete ser
generoso, embora isso não tenha nenhuma sustentação técnica, ética ou
jurídica?
A questão parece
complexa, mas não é. Ao contrário, tem duas respostas muito evidentes e muito
simples. A primeira é que vale tudo pela reeleição e brigar por compromissos
passados quando o futuro está em jogo não parece inteligente. Então, a primeira
explicação é eleitoral: nas democracias, especialmente naquelas que dependem
exclusivamente de eleições, já que as instituições funcionam mal, como é o caso
da nossa, nenhum governante é louco de desperdiçar votos preciosos que o
manterão no poder. E há outra explicação – esta ancorada em passado recente. A
reivindicação de Estados que não produzem petróleo, e nunca produziram, de
partilhar com produtores em igualdade de condições os royalties (que não
são impostos nem esmolas, mas compensações financeiras pela exploração de
produtos extraídos em seu território) nunca foi feita antes. Por que, então,
agora tomou a avassaladora forma de um autêntico tsunami? É simples:
porque o problema nunca foi antes trazido à baila!
Tudo começou em
2008, quando, no governo Lula, do qual Dilma era dignitária de altíssimo
coturno, a Petrobrás anunciou a descoberta de grandes jazidas de óleo cru nas
profundas camadas de pré-sal sob nossas águas territoriais. “Deus não nos deu
isso para que a gente continue fazendo burrice. Deus nos deu um sinal. Mais uma
chance para o Brasil”, disse Lula a uma plateia eufórica.
Ali começou um
processo deletério, chamado pelo coleguinha Merval Pereira, colunista de O
Globo e membro da Academia Brasileira de Letras, de “a politização do
pré-sal”. Em sua coluna de sábado passado, Pereira citou o especialista Adriano
Pires, da consultoria Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBE). Para Pires, “o
ex-presidente, ao anunciar a descoberta do pré-sal, politizou todas as decisões
que foram tomadas no setor de petróleo dali para a frente, e, com isso, surgiram
várias vítimas dessa atitude populista. As principais foram a Petrobrás, os
produtores de etanol e o Estado”. Sob o entusiasmo com a descoberta foi
soterrado o projeto de biocombustíveis e congelado o preço da
gasolina.
Na sexta-feira 8
de março, outra colunista do Globo, Miriam Leitão, que tem descrito com
lucidez a lambança que os governos Lula e Dilma fizeram no setor energético em
geral e no petrolífero em particular, não apelou para metáforas, mas pôs o dedo
diretamente na ferida oculta: “União criou o conflito”, disparou logo no título.
E justificou essa dura constatação: “Quando o governo Lula decidiu mudar a lei
do petróleo, ele estava convencido de que a receita iria aumentar muito com o
pré-sal. Mas isso está cada vez mais distante e incerto”.
A relação entre
o anúncio da descoberta da panaceia para fazer o Brasil saltar da condição de
emergente para o Primeiro Mundo e a catástrofe da Petrobrás foi tema de um texto
arrasador assinado por Consuelo Dieguez na revista Piauí de setembro do
ano passado. No artigo, o comunista baiano Haroldo Lima, que presidiu a Agência
Nacional do Petróleo (ANP) no governo Lula e foi retirado do cargo por Dilma,
fez uma autocrítica demolidora, ao velho estilo stalinista, afirmando que os
resultados catastróficos da Petrobrás não foram produzidos pela vontade do
ex-presidente Sérgio Gabrielli, mas pelos votos fiéis à proposta populista de
Lula, inclusive os dele e de Dilma.
De acordo com
Lima, Lula e Dilma impuseram à ANP a decisão de jogar no lixo o marco
regulatório de 1997, que flexibilizara o monopólio da estatal nacional do
petróleo. O novo marco regulatório passou a exploração de concessão para
partilha. Justiça seja feita, ao sancionar essa lei no fim do mandato, Lula
vetou todos os artigos que desrespeitavam contratos já firmados com concessão.
Ou seja, antecipou o que Dilma faria no ano passado, mas terminou sendo
desautorizado na semana anterior pela maioria dos parlamentares, representando
Estados de olho fixo na fortuna anunciada.
A ganância
desmedida dos Estados não produtores atropela tudo, inclusive a História. Desde
o embargo da Arábia Saudita, o aumento do preço do petróleo no mercado mundial
vem enchendo as burras da Venezuela. Ainda na extinta democracia, enterrada por
Hugo Chávez, sob a presidência de Carlos Andrés Pérez, outdoors espalhados pelas
ruas de Caracas prometiam que o produto seria “semeado”. A impropriedade
geológica (petróleo não se planta, extrai-se) não salvou o país vizinho das
imensas dificuldades econômicas em que continua vivendo. A elite corrupta que
comandou o liberalismo idílico foi substituída pelo milico progressista e a
situação só piorou. Apesar do preço ascendente de seu produto único, a
Venezuela, “o país potencialmente mais rico do mundo”, na definição de Mario
Vargas Llosa em artigo publicado no Estado domingo, convive “com a
inflação, a criminalidade e a corrupção mais altas do continente, um déficit
fiscal, que beira a 18% do PIB”...
O Brasil não
chegou aí. Mas a Petrobrás foi submetida a uma degradação absurda: seu lucro no
ano passado foi 36% menor que o de 2011, seu valor de mercado caiu para 65,5% do
patrimônio e o fruto da campanha “o petróleo é nosso” despencou do segundo para
o oitavo lugar no ranking mundial das petroleiras. Na América do Sul,
perdeu o topo para uma empresa colombiana. E alguém tem ideia do destino dos R$
107 bilhões da “maior capitalização da história do capitalismo”, em
2010?
Jornalista,
poeta e escritor
(Artigo
publicado na Pág. 2ª do Estado de S. Paulo de 13 de março de
2013)
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