Arnaldo Jabor
Vende-se um candidato como se vende margarina. A
perversão do marketing transformou as campanhas eleitorais em uma
estratégia de insinceridade, em que os marqueteiros ‘adivinham’ o que o
povo quer para o candidato se adaptar a esse ‘desejo’. Assim, todos
querem ser eleitos pelo que não são, mas pelo que parecem, seguindo o
exemplo bem-sucedido do ‘showman’ Lula que, na linha de Jânio, bastou
‘parecer’. É a estratégia em vez da verdade: ladrões aparentam
honestidade, o comuna finge de liberal, o durão finge de bonzinho.
Em São Paulo há um lugar reservado para um populismo tradicional que,
de certo modo, a polarização entre PT e PSDB ensombreceu nos últimos
anos; este espaço da ignorância já foi ocupado por Ademar, por Jânio,
por Maluf (conversem com motoristas de táxi). O vazio está sempre à
espera de um impasse político, para que a ‘massa atrasada’ (um termo do
PT) corra a eleger um novo demagogo.
Com o crescimento econômico da chamada classe C, o populismo tende a
ser mais mágico, mais imediatista, em busca de sucesso e riqueza, um
populismo consumista e conservador.
Quem ocupa esse espaço vazio é justamente o movimento evangélico em
seus galpões lotados de milhares de pagadores de dízimos à espera de
milagres e riqueza.
E o milagreiro da hora será o Russomanno, que é representante da
Igreja Universal. Ele nega, claro, mas seus programas de TV só vão ao ar
depois de passar pela direção de jornalismo da Record, enquanto
obreiros da Igreja Universal visitam casas da periferia, distribuindo
santinhos do Russomanno.
Assim, amigos leitores, pode ser que em 2013 a cidade de São Paulo
seja governada pelo bispo Edir Macedo, o rei dos supermercados da fé que
crescem no País e no exterior. Há pouco, uma marcha reuniu 4 milhões
nas ruas de São Paulo, todos embalados pelo desejo de alguma certeza
palpável, que os evangélicos prometem. Vejam na TV os milhares de rostos
famintos de resposta para suas vidas angustiadas, pastoreados por
bispos que parecem assaltantes, gordos, vulgares e milionários com
fazendas, aviões e apartamentos em Miami.
Ou seja, está surgindo uma espécie de "islamização" da política no
País, com os votos comandados fortemente pelas Igrejas. Já há milhões de
fiéis que votam com Deus e política, como no Islã. E há uma sutil
coincidência entre isso e o "midiatismo" lulista também feito de
abstrações e promessas gerais: o carisma milagreiro da aparência contra a
realidade.
Em ambos, no ‘midiatismo’ e no "islamismo caboclo", existe algo de divinal, místico.
Muitas pessoas do enclave "ademar de barros/jânio/maluf" vão votar no
Russomanno por quê? Por ordens do bispo, claro, mas muitos também
porque sua candidatura tem um sabor de negação da política costumeira,
como apostar na zebra porque os cavalos favoritos não resolveram nada.
Há algo do ‘efeito Tiririca’ nisso tudo.
No mundo inteiro, a crise econômica e política favorece líderes reacionários. Dentro dos impasses geram-se os canalhas.
O fascista Chávez vai ser reeleito, o fanatismo árabe persiste para
além da ‘primavera’, o repulsivo Mitt pode ganhar nos USA e levar o
Ocidente ao caos. Aqui, a cidade mais importante da América Latina pode
ser entregue ou a uma sutil "teocracia oportunista" ou aos
conquistadores do PT, em busca de mais um território tomado para ‘não’
ser governado. E no meio, o José Serra acreditando na racionalidade. Em
meio a esse ‘místico peleguismo’, como explicar as vantagens da ‘social
democracia’ para uma população semianalfabeta?
Mas, Serra também errou. Tudo começou em 2002 quando, diante de meus
pobres olhos perplexos, Serra não defendeu o governo de FHC diante dos
ataques de Lula no debate. Eu vi a cara do Lula quando percebeu que a
intenção do adversário era ‘não’ defender o excelente governo que
acabara com a inflação, fez reformas, etc... Por estratégia (quem foi a
besta que inventou isso?), ninguém podia defender os grandes feitos que o
PSDB tinha conseguido... Lula, espertíssimo, deitou e rolou nesse
equívoco imperdoável, inesquecível, que começou a derrotar o próprio
Serra e o tucanato por tabela. Nunca entenderei isso. Como não demitiram
o chefe da campanha e deixaram-no persistir nos erros até hoje? Serra
acreditou no marketing em vez de crer em si mesmo e em sua verdade.
Conheço-o há muitos anos e sei de sua enorme competência
administrativa, seu amor ao progresso por adesão à razão. Mas conheço
também sua astronômica teimosia, sua autossuficiência de filho único,
sua hybris (‘arrogância’ que provoca punição dos deuses nas tragédias),
como apontou o Demétrio Magnoli outro dia. É trágico vermos o
crescimento do erro.
Conheço bem o Serra e sei que ele não é ‘bonzinho’ e sorridente como mandam os marqueteiros.
O sorriso de Serra prometendo coisas na TV soa falso; o povão percebe
que algo ali está faltando na fala dele. O que falta? Falta a sua
sinceridade: Serra é zangado, ‘empombado’ e quer realmente fazer um bom
governo. Teria de assumir isso, enquanto é tempo. Tem superar seu
complexo de Édipo e chamar FHC para a campanha (o que não fizeram até
agora), tem de mostrar com clareza, com imagens, o importantíssimo
trabalho que fez como ministro da Saúde e não ficar dando sorrisinhos de
Papai Noel na TV. O eleitor respeita gente sincera, cortante, corajosa.
Ele tem de mostrar as aventuras populistas e falar das acusações que
pesam sobre o Russomanno, como as supostas ações de falsidade
ideológica, a acusação de seu uso indevido da advocacia, seu suposto
envolvimento com o Cachoeira.
E mais: ele errou ao subestimar o papelucho que assinou na TV dizendo
que não abandonaria a Prefeitura. O povo não perdoa o descaso com que
tratou o ridículo juramento. Ele tinha sim de chamar testemunhas, até
religiosos e juristas e, fazendo um pouco o jogo do populismo
‘midiático’, jurar solenemente diante de todos que jamais largará a
Prefeitura.
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