Arnaldo Jabor
Já começou o circo da propaganda eleitoral, o desfile de
horrores da política brasileira. Será um trem fantasma de caras e bocas
e bochechas que traçam um quadro sinistro do Brasil, fragmentado em mil
pedaços - o despreparo, a comédia das frases, dos gestos, da juras de
amor ao povo, da ostentação de dignidades mancas.
Os candidatos equilibram bolas no nariz como focas amestradas, dão
"puns" de talco, dão cambalhotas no ar como babuínos de bunda vermelha,
voando em trapézios para a macacada se impressionar e votar neles. Os
candidatos têm de comer pastéis de vento, de carne, de palmito, buchada
de bode e dizer que gostou, têm de beber cerveja com bicheiros e
vagabundos, têm de abraçar gordos fedorentos e aguentar velhinhas sem
dente, beijar criancinhas mijadas, têm de ostentar atenção forçada aos
papos com idiotas, têm de gargalhar e dar passinhos de "rebolation"
quando gostariam de chorar no meio-fio - palhaços de um teatrinho
absurdo num país virtual, num grande pagode onde a verdade é mentira e
vice versa.
Ninguém quer o candidato real; querem o que ele não é. A política
virou um parafuso espanado que não rola mais na porca da vida social,
mas todos fingem que só pensam no povo e não em futuras maracutaias.
O Brasil vive um momento de suspense, de duvidas, do "será?". Haverá
condenados no mensalão? Dilma vai conseguir governar? Ninguém sabe o que
vai acontecer. Só nos resta o mau ou bom agouro, o palpite, a orelha
coçando, o cara ou coroa.
A política brasileira anda por sustos. Meu primeiro susto foi em 54.
Estou do lado do rádio e ouço o Repórter Esso: "O presidente Vargas
acaba de se suicidar com um tiro no peito!". O mundo quebrou com o peito
de Getúlio sangrando, as empregadas correndo e chorando.
Estou no estribo de um bonde, em 61. "O Jânio Quadros renunciou!",
grita um sujeito. Gelou-me a alma. Afinal, eu votara pela primeira vez
naquele caspento louco (o avô "midiático" do Lula), mais carismático que
o careca do general Lott. Eu já sentira arrepios quando ele proibiu
biquínis nas praias. Tínhamos posto um louco no Planalto - e não seria o
único...
Em 64, dias antes do golpe militar - o comício da Central do Brasil.
Serra estava lá, falando, de presidente da UNE. Clima de vitória do
'socialismo' que Jango nos daria (até para fazer 'revolução' precisamos
do Governo...). Tochas dos bravos operários da Petrobrás, hinos, Jango
discursando, êxtase político: seríamos a pátria do socialismo
carnavalesco. Volto para casa, eufórico mas, já no ônibus passando no
Flamengo, vejo uma vela acesa em cada janela da classe media, em sinal
de luto pelo comício de 'esquerda'. Na noite 'socialista', cada janela
era uma estrelinha de direita. "Não vai dar certo essa porra..." -
pensei, assustado. Não deu.
Ainda em 64, festa do 'socialismo' no teatro da UNE. 31 de março,
onze da noite. Elza Soares, Nora Ney, Grande Otelo comemoram o show da
vitória. No dia seguinte, a UNE pegava fogo, apedrejada por meus
coleguinhas fascistas da PUC. Na capa da revista O Cruzeiro, um baixinho
feio, vestido de verde-oliva me olha. Quem é? É o novo presidente,
Castelo Branco. Corre-me o arrepio na alma: minha vida adulta foi
determinada por aquele dia. O sonho virou um pesadelo de 20 anos.
Depois, vem o Costa e Silva, sua cara de burro triste e, pior, sua
mulher perua brega no poder. Aí, começaram as passeatas, assembleias
contra a ditadura. Costa e Silva tinha alguns traços populistas e
resolveu dialogar com os líderes do movimento democrático. Uma comissão
vai conversar com o presidente. Aí, outro absurdo - os membros da
comissão se recusam a vestir paletó e gravata na entrada do palácio:
"Não usamos gravatas burguesas!" - e o encontro fracassa. Ninguém lembra
disso; só eu, que sou maluco e olho os detalhes.
Tancredo entrou no hospital e arrepiou-me o sorriso deslumbrado dos médicos de Brasília no Fantástico,
amparando o presidente como um boneco de ventríloquo; tremeu-me o corpo
quando vi que nossa historia fora mudada por um micróbio em seu
intestino.
Gelei ao ver o Sarney, homem da ditadura, posando de "oligarca
esclarecido" na transição democrática, com seu jaquetão de "teflon", até
hoje intocado. Assustei-me com a moratória de 87, aterrorizou-me a
inflação de 80% ao mês.
E, depois, vejo a foto do Collor na capa da Veja - com todo mundo
dizendo: "Ele é jovem, bonito, macho...", revirando os olhos numa
veadagem ideológica. Foi um período tragicômico, com a nação olhando
pela fechadura da "Casa da Dinda" para saber do seu destino. Depois o
período do "impeachment", dos caras-pintadas.
Durante Itamar, a letargia jeca-tatu, só quebrada pela mudança na
economia com o plano Real que FHC fez (que depois foi roubado pelo Lula,
claro...) Aí, 1994, o ano da esperança, Brasil tetra na Copa e um
intelectual da verdadeira esquerda subindo ao poder. Mas, meu medo
histórico logo voltou, quando vi que a Academia em peso odiava FHC por
inveja e rancor, criando chavões como "neoliberalismo", "alianças
espúrias" (infantis, comparadas com a era Lula). Os radicais de
cervejaria ou de estrebaria não deram um escasso crédito de confiança a
FHC, que veio com uma nova agenda, para reformar o Estado
patrimonialista.
Durante o mandato, o próprio governo FHC cometeu seu erro máximo que
até hoje repercute - não explicou didaticamente para a população a
revolução estrutural que realizava: estabilização da economia, lei de
responsabilidade fiscal, privatizações essenciais, consolidação da
dívida interna, saneamento bancário que nos salvou da crise de hoje,
telefonia, tudo aquilo que, depois, Lula surripiou como obra sua. Foi
arrepiante ver a mentira com 80 por cento de Ibope.
Hoje o que me dá medo é ver que a tentativa de Dilma governar é
sabotada por aqueles que achavam que ela seria apenas uma clone, uma
'cover' do Lula, que esquentaria a cadeira para ele sentar em 2014. Hoje
estamos vendo a cara verdadeira dos donos peronistas da CUT e dos
funcionários mais bem remunerados, os "amigos do povo" que roubam em seu
nome.
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