José Nêumanne
Quem se regozija com o câncer na laringe de Lula e quem imagina que poderá se aproveitar do aumento de seu prestígio por causa da dor que ele enfrentará poderão não se dar bem como pensam
A notícia de que Luiz Inácio Lula da Silva tem na laringe um câncer de agressividade média, seja lá o que queira dizer isso, surpreendeu a todos. É como se, de repente, se tomasse conhecimento de que é falível o titã da política, o semideus da administração pública, o maior ídolo popular que já subiu em palanques neste País. Alto lá, gente fina! O homem é gente, como você, o recordista mundial dos 100 metros rasos, a pobre mulher sertaneja que serve farinha com água para matar a fome da imensa prole desvalida e eu.
Bem, vamos convir que ele foi presidente da República e, nesta condição, se submeteu aos exames de tecnologia mais sofisticada em check ups periódicos em que sua garganta foi vasculhada por sensores poderosos e radiação nuclear que desvenda mistérios que tato e vista não alcançam. E daí? A medicina é falível como o aparelho, o médico e o paciente.
Então, por que este susto todo? O ex-presidente da República não é propriamente um ser humano regrado, morigerado e aplicado. Ao contrário, é sanguíneo, explosivo, indisciplinado e ingere toxinas a granel. O que isso tem a ver com o câncer na laringe? Vai saber! Um dos mistérios dolorosos da vida é que de certo mesmo só se sabe que cedo ou tarde ela se extinguirá, mas a fragilidade do sopro vital sempre corresponde à surpresa da chegada da doença. Além do mais, no último decênio, o paciente do dr. Calil tem sido o ponto de referência para convergir ou para divergir na cena pública nacional. Difícil encontrar quem seja neutro ao julgá-lo, impossível lhe ser indiferente.
Lula é gente como qualquer de nós e, como todos estamos atados à certeza da visita da Indesejada das Gentes, bastando para tanto que exista, merece respeito e piedade. A paixão em torno de sua atuação pública, contudo, produziu desafetos que se regozijam com sua dor e prosélitos que receberam a notícia como se dissesse respeito a um ente querido muito próximo. A condição humana é como é: falível e parcial. Uma reação é desumana; a outra, irracional; e ambas, despropositadas.
Impossível saber se o tumor maligno lhe reduzirá o prazo de vida. Muitos contemporâneos mais jovens e hígidos poderão sucumbir antes, outros mais próximos da morte poderão sobreviver a ele. Só uma coisa é certa: a experiência mostra que no convívio com as massas a dor do ídolo poderá exacerbar a idolatria. Quem contar com o fim da popularidade do paciente pela eventual perda de seu principal instrumento, a palavra falada, poderá ser surpreendido pela canonização em vida da vítima. Quem pretender prosperar sob a sombra do ícone semovente poderá aprender que idólatras nada veneram além do ídolo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário