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quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O drama de Amanda Knox


Amanda Knox, inocentada da acusação de assassinato de Meredith Kerche, e seu ex-namorado, Faffale Sollecito.
Demônio, bruxa, dominadora. Raramente um acusado foi submetido a uma encenação tão absurda e desenfreada, em um tribunal, como Amanda Knox.
Na noite de segunda-feira, 3 de outubro, na corte de apelações, o juri decidiu que a descrição de Amanda Fox como uma raposa, manipuladora, assassina, cruel, apelidada de 'Foxy Knoxy' era apenas um mito.
O sistema legal italiano fez acusações sensacionalistas à americana, dizendo que ela devassa, que tinha um comportamento sexual diabólico. Uma sereia capaz de induzir um estranho a cometer assassinato, lançando mão de seus encantos sexuais mesmerizantes.

Ao longo de quatro anos, e desde quando tinha 20 anos de idade, Knox sofreu as agruras de um processo judicial onde não faltaram doses cavalares do mais raso sensacionalismo, acusada de ser o pivô do crime brutal contra sua companheira de apartamento, Meredith Kercher. Amanda Knox, hoje com 24 anos, foi retratada como a mulher mais abominável do continente europeu, tópico de livros, um filme, debates de TV e artigos de jornal por todo o mundo.

O pesadelo de Amanda Knox terminou, em parte, quando o juri de apelações reviu o seu caso, decidindo que a personalidade maligna atribuída a ela era mera invenção, um mito criado e perpetuado para desviar atenções de uma investigação com graves falhas.

Ao livrá-los da acusação de terem participado do assassinato de Kercher, o juri pôs Knox e seu ex-namorado, Raffaele Sollecito, no papel de vítimas, em um caso que destruiu as vidas de ambos.

O pai de Knox, Curt, classificou a provação de sua filha como uma "a falha do sistema judiciário italiano", ao mesmo tempo em que Amanda dizia ao juri, ontem: "Eu nunca havia enfrentado tamanho rancor em minha vida … vivi esse pesadelo, do qual nunca acordava."

O pesadelo de Knox começou quatro dias após a descoberta do corpo de brutalizado de Kercher, em seu quarto, em Perugia, Itália, dia 1º de novembro de 2007. A polícia se convenceu de que a estudante britânica havia sido morta durante uma orgia sexual "satânica" envolvendo Knox, Sollecito e o dono de um bar local. "Quando Kercher, 21, se recusou a ceder aos desejos depravados de sua colega de apartamento e dos dois homens, ela teria sido dominada, estuprada, estrangulada e esfaqueada na garganta", disseram os tiras.
"Os três participaram do crime," disse o chefe de polícial local, Arturo de Felice, numa declaração em tom dramático. "O motivo foi sexual e a vítima resistiu."

A alegação chocou e fascinou a Itália na mesma medida, e dali em diante Knox, então com 20 anos, tornou-se uma obssessão nacional. O único problema com a versão policial dos acontecimentos foi que não estava baseada em evidências que merecessem crédito.

Durante esses quatro anos, o caso contra Knox desmoronou, expondo o caos no centro da investigação policial e uma necessidade desesperada de a polícia se apegar à sua teoria, não importando o curso dos acontecimentos.

A absolvição de Knox começou a parecer inevitável a partir do momento em se descobriu que as provas de DNA que a ligavam à possível arma do crime eram desesperadoramente não confiáveis.

Seu pais, que hipotecaram a casas para pagar os custos processuais e de advogados, no valor de US$770.000, sempre acreditaram que as acusações seriam derrubadas antes que uma denúncia, ou pronúncia, no caso do juri, fosse aceita. Ainda assim, Knox teve de lutar muito para explicar as inconsistências das evidências.

Kercher, estudante de intercâmbio britânica, foi encontrada morta pela polícia, que fora chamada por um vizinho, que encontrou os telefones móveis da inglesa no jardim.

O corpo de Kercher jazia em seu quarto, numa poça de sangue, coberto por um edredon e desnudo, exceto por uma camiseta. Seus ferimentos sugeriam que ela havia sido obrigada a se ajoelhar, com o rosto forçado contra o piso, e estuprada mediante a ameaça de uma faca, antes de ser morta por uma combinação de estrangulamento e três profundas facadas no pescoço.

Primeiramente, uma janela quebrada na propriedade e os telefones móveis furtados, para sugerir um arrombamento que acabou em um assassinato, mas quando a polícia começou a interrogar os companheiros de apartamento de Kercher, os agentes ficaram espantados com o comportamento de Knox, que jogava cartas enquanto  esperava o interrogatório.

Embora seus amigos estivessem angustiados, Knox parecia distante, até mesmo fria.

Quando os investigadores encontraram mensagens de texto sem seu telefone, endereçadas a Patrick Lumumba, dono do bar onde ela trabalhava, ela admitiu que estivera no apartamento quando houve o crime, e disse ter ouvido a vítima gritar, após Lumumba ter entrado no quarto com ela. Ele foi preso, assim como Sollecito, cujos sapatos pareciam combinar com uma pegada em uma mancha de sangue no local.

Knox também foi presa, mas retirou seu depoimento, dizendo que havia sido dado sob coação. Em vez disso, ela disse ter passado a note com Sollecito no apartamento dele, que disse não se lembrar se Knox estivera com ele.

Além do mais, registros dos telefones móveis sugeriram que ambos haviam estado nas vizinhanças do local do crime, e haviam desligado os aparelhos, mantidos assim durante cerca de três horas por volta do momento em que Kercher teria morrido.

Caso encerrado, ao menos no que toca a de Felice: Knox não só estava envolvida no crime, como havia instigado os outros a cometê-lo, conduzindo os dois homens no que viria a ser classificado "um crescendo de violência", em parte para se vingar de Kercher, que havia criticado a promiscuidade e hábitos de higiene de Knox.

Então, uma quinzena após o crime, amostras de DNA retiradas do local combinavam com Rudy Guede, um desocupado e traficante de drogas, que costumava portar uma faca, demonstrando ter sido ele o estuprador de Kercher.

Guede, que havia fugido para a Alemanha após o assassinato, foi condenado a 30 anos de prisão, em 2008, reduzidos a 16 anos, após um recurso. Lumumba foi inocentado e os advogados de Knox acreditavam que as acusações contra ela seriam retiradas, após Guede ter dito a um amigo que ela não estava no apartamento no momento do crime.

A culpa inquestionável de Guede tornava inverossímil a  teoria de  "jogo de sexo". Knox mal conhecia Guede; Sollecito nem sequer o conhecia. Na verdade, Sollecito conhecera Knox apenas seis dias antes do crime, e parecia uma estupidez sugerir que três pessoas virtualmente desconhecidas se juntariam para cometer um assassino por razões sexuais.

No entanto, duas evidências médico-legais pareciam ligar Knox e Sollecito à cena do crime. Uma faca de cozinha de 6,5 polegadas, levada de seu apartamento, tinha o DNA dela, e o DNA de Kercher na lâmina. Além disso, um fecho do sutiã de Kercher tinha marcas do DNA de Sollecito, o que parecia provar o envolvimento da dupla.

Mas a defesa de Knox disse que a amostra na lâmina da faca não poderia ser atribuída a  Kercher com certeza, e a faca não combinava com uma mancha encontrada no local, e nem com duas das três marcas de ferimento com faca. O fecho de sutiã só foi encontrado sete semanas após o crime, e durante esse tempo havia sido arrastado pelo assoalho do quarto, com alto risco de contaminação.

Confrontados com essas inconsistências, acusação e defesa passaram a apelar para a retórica inflamada perante o juri, no julgamento da apelação.

O advogado de Lumumba descreveu Knox como "uma pessoa diabólica, satânica, demoníaca, cruel" que "gostava de álcoool, drogas e sexo quente e selvagem".

Como disse Curt Knox após a condenação de sua filha, "os ataques ao caráter de Amanda lançaram uma penumbra sobre a falta de provas contra ela".

Como o juri decidiu, por trás de toda a lama atirada havia a verdade, que o sistema de justiça italiano relutou em aceitar: a polícia, simplesmente, estava errada.

Um bom caso para se refletir a respeito do garantismo da Constituição do Brasil, segundo a qual (em tese) ninguém pode ser preso antes do julgamento final.

Considerando o longo sofrimento de Knox, que não pode, absolutamente, ser reparado com dinheiro, é melhor que a nossa Constituição seja assim, embora isso seja muito relativo. Da mesma forma, se a famíla de Knox não tivesse hipotecado a casa, gastando mais de US$700 mil com advogados, ela talvez permanecesse injustamente presa.

É possível que a famíla seja ressarcida do dinheiro gasto, mas, quanto ao dano moral, que permanecerá ao longo de anos - ou pela vida toda-, por conta da extrema exposiçao midiática sofrida por Knox, não há dinheiro que o pague.

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