Astronomia, astrofísica, astrogeologia, astrobiologia, astrogeografia. O macro Universo em geral, deixando de lado os assuntos mundanos. Um olhar para o sublime Universo que existe além da Terra e transcende nossas brevíssimas vidas. Astronomy astrophysics, astrogeology, astrobiology, astrogeography. The macro Universe in general, putting aside mundane subjects. A look at the sublime Universe that exists beyond Earth and transcends our rather brief life spans.
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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
Milagre na coluna?
Roberto DaMatta
Minha turma ficou feliz com a coluna da semana passada quando refleti, um tanto assustado, mas feliz, sobre os meus 48 anos de casamento: as minhas Bodas de Granito. Como, perguntei a quem pensava em ter uma vida curta de artista, herói ou mártir (como estava em moda na minha geração que viveu a 2ª Grande Guerra Mundial de 1939 a 1945), pode ter vivido tanto? Como é que eu consegui não só ser um pai razoável, mas também um bom avô? E digo isso, queridos leitores, sem problemas, porque o laço entre pais e filhos não se resolve, mas o de avô e neto, como o de tio e sobrinho, têm a doçura da ausência das obrigações de educar e impor limites. Não há nos Dez Mandamentos nenhuma referência a "honrar os avós" porque, em primeiro lugar, eles não fazem os netos no sentido bíblico e corrente no termo. Uma vez, Celeste, minha mulher, remarcou, ao observar minha paciência com os netos: "Como pai sua nota foi zero. Mas dou-lhe dez como avô. Passou com média cinco!"
Neste último fim de semana, estava sentado no botequim de costume e o mais velho da turma que prefere o anonimato falou dos seus 50 anos de casamento. Contou mais ou menos o seguinte:
"Quando fiz as tais Bodas de Ouro ? as de Granito são muito mais bacanas ?, minha mulher estava muito doente. Só o seu corpo permanecia comigo. O seu espírito fugia a cada hora e a cada dia como a luz some quando chega o negrume da noite. Deitei-me ao seu lado no dia das bodas e rememorei a nossa primeira noite de casado que, como você bem sabe, a gente chamava falando baixinho de "noite de núpcias". Aquele aspirado encontro no qual, finalmente, o amor ia se defrontar livre e abertamente com o sexo e com ele ter um papo cara a cara, uma conversa de homem para mulher, muito mais complicada do que as nossas tolas discussões de homem para homem sobre política e futebol. Vi, como num filme, a chegada ao apartamento que foi o nosso primeiro lar porque não tinha dinheiro para uma viagem de lua de mel. Chovia muito e o edifício não tinha portaria nem elevador, de modo que eu, rapidinho, levei as malas para o quarto tomado, um tanto impudicamente, pela cama de casal vestida de linho branco e por um imenso guarda-roupa, ambos presentes de papai. Um tio querido e sua esposa nos receberam com discrição e cortesia. Mas quando estava para "subir" ? o amor eleva, não é mesmo? ?, titio me chamou e me obrigou a tomar um cálice de conhaque para "tirar o nervoso". Brindamos ao que estava por vir e eu subi resfolegante os degraus que me separavam da tão esperada noite nupcial. Logo abençoamos nossa casa de sexo com amor, tornando-a um lar. Não posso me esquecer da visão encantada de minha jovem esposa com a famosa "camisola do dia" diante do marido que ia tirando a roupa com aquela impaciência de toda primeira vez.
"Hoje, vivendo como vivo ? completou meu companheiro ?, eu pediria a Deus apenas uma graça. A de ver minha noiva ao meu lado, jovem e linda como naquela noite encantada. Não quero voltar a ser jovem, ser jovem é um saco. Eu queria, isso sim, vê-la jovem ao meu lado para poder admirá-la como só os velhos sabem fazer quando se confrontam com a beleza da juventude."
Uma semana depois, encontrei meu amigo radiante de felicidade.
"Aconteceu!" ? disse ele. "Minha mulher dormia esquecida e eu, insone, saí do quarto e tomei uma taça de vinho. Estava tão triste quanto minha vida. Ao voltar para a quarto, houve um apagão. Acho que foi milagre. Quando a luz voltou, lá estava ela, jovem e, assim aparecida, sorria e me deixava ver, sem pudor, o corpo renovado. Ajoelhei-me, como faz quem sabe que o amor é uma remissão, e percorri a planície, as montanhas, os prados e os vales. Bebi ? disse ele sorvendo um gole de uísque com soda ? naquela fonte que desce aquele monte, como canta, ao lado de todos os poetas, Raul Seixas. Ouvi o vento ruidoso do amor sacudindo a namorada. Reencontrei o sexo no amor ou foi uma ilusão? Diga-me lá você, que é doutor, escreve livros, fala de tudo e morou com índios e americanos?"
Foi um surto, respondi invejoso. Como a pressão arterial do presidente, deve ter sido um pique motivado por desejos reprimidos. Há coincidências negativas e positivas. Quando são extraordinariamente gratificantes, falamos em milagre e graça. Racionalmente, eu penso que o vinho alterou sua consciência. Simbolicamente, acho que foi um trabalho da saudade. A saudade harmoniza ilusão e realidade. Há momentos em que sexo casa com amor. Você sabe a minha teoria. O amor é um estádio olímpico: tem muitas entradas e várias modalidades esportivas. Muitos encontros são feitos só de sexo, mas mesmo no sexo mais nu e cru, os amantes tornam-se cúmplices e surpreendem pela paciência. Há acelerações, pedidos e esperas. Isso não é amor? E o amor mais puro também não tem um fim, porque depois da exploração das grutas e torres vêm a calma da aurora e o canto dos pássaros confirmando que o milagre ocorreu justamente porque tudo passa e, passando, pode renovar-se? Eu, bêbado que estava, fiquei com os olhos cheios de lágrimas quando falei essas coisas. Pode?
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