Pesquisar conteúdo deste blog

domingo, 1 de novembro de 2009

Quando falta o sangue

Várias cirurgias, o socorro a acidentados e o tratamento de certas doenças tornam-se inviáveis na falta de sangue para transfusão, e bancos de sangue costumam operar sem sobras, um problema grave durante grandes tragédias, ou, ainda, em cirurgias que requerem grandes transfusões. Nas férias ou feriados prolongados caem os níveis dos estoques.
Em setembro, o Banco de Sangue e Tecidos de Catalunha, na Espanha, teve de lançar uma campanha especial para conseguir, em cinco dias, 10.000 bolsas de sangue, ou 4.500 litros. Se isso ocorre hoje num país como a Espanha, com uma das taxas de doação mais elevadas do mundo, o que será quando a população mundial envelhecer, necessitando mais intervenções e, portanto, mais sangue?
Europa e Estados Unidos terão, cada um, déficit de 1,5 milhão de litros de sangue em 2050 com o envelhecimento da população. Atualmente, metade das doações é usada para cobrir as necessidades de maiores de 60 anos. Em 2050, a população mundial de anciãos, que terá dobrado, consumirá quase a totalidade dos estoques, decrescentes porque com menos jovens há menos doadores - a idade avançada é um fator impeditivo de se doar.
O sangue será cada vez mais raro e caro, se não for encontrado um substituto artificial, ou uma forma de produzi-lo através de células-tronco (CT) num processo de custo acessível. Trabalhando nisso há mais de três décadas, a ciência se esforça, a fim de satisfazer à demanda, mas testes com hemácias sintéticas revelaram efeitos prejudiciais.
Os resultados mais alentadores vêm das CT, na opinião de Juan Carlos Izpisúa, diretor do Centro de Medicina Regenerativa de Barcelona (CMRB) e pesquisador do Instituto Salk, cuja equipe trabalha na criação de sangue artificial com CT obtidas de cordão umbilical, numa complexa cadeia de transformações celulares em que as CT, induzidas, dariam lugar a células progenitoras de glóbulos brancos, hemácias, plaquetas e outros compostos do plasma. Mas, para poder recriar este processo em laboratório e obter fluído sanguíneo completo, ainda há um longo caminho a percorrer.
Ainda em fase experimental, por ora a produção de células sanguíneas por esse método só poderá ocorrer “in vivo”, transplantando-as para a medula óssea - a fábrica de sangue do corpo humano -, para que ali se inicie o processo de diferenciação nos variados tipos celulares que formam o sangue.
Mas a grande dificuldade será conseguir o processo “in vitro”, para que estas CT se diferenciem, dando origem a todos os componentes do fluído sanguíneo em um cultivo que emule à perfeição as condições da medula óssea, permitindo criar o fluído completo necessário a transfusões e armazená-lo.
Até agora, a maioria dos pesquisadores está concentrada em obter glóbulos vermelhos artificiais por diferentes métodos. Quando se fala em pesquisas sobre sangue artificial, na verdade, trata-se de obter hemácias artificiais ou hemoglobina.
Estas pequenas células vermelhas achatadas são as necessárias após uma grande perda de sangue. Uma das principais funções do sangue é transportar oxigênio pelo corpo, liberá-lo nos tecidos e recolher o dióxido de carbono. E o que faz a hemoglobina, a molécula que dá à hemácia sua cor vermelha. A falta de oxigenação pode levar à morte.
"Um litro de sangue contém 40% de glóbulos vermelhos, 55% de plasma e o restante, outros componentes, como plaquetas e glóbulos brancos. A perda de glóbulos brancos é compensada por sua presença em outros tecidos, mas a redução de hemácias é crítica, explica Joan García, responsável por terapias avançadas do Banco de Sangue e Tecidos de Catalunha, que também integra um consórcio europeu recém criado, Red on Tap, para obter sangue de CT.
No começo do século XX, foram descritos os grupos sanguíneos, e se pôde entender por que as transfusões de sangue às vezes eram fatais. As guerras levaram a avanços no conhecimento a respeito das transfusões, e o exército americano conduziu diferentes projetos para obter glóbulos vermelhos artificiais, em testes com perfluorocarbono, um líquido sintético que pode transportar oxigênio ou dióxido de carbono, e também hemoglobina livre, ou encapsulada em lipossomos, no lugar de glóbulos vermelhos.
Todavia, os sintéticos têm causado os efeitos secundários graves, segundo Luz Barbolla, hematologista do Centro de Transfusões da Comunidade de Madri. Foram descritos infartos de miocárdio e hipertensão, entre outros. Segundo os dados dos ensaios publicados na revista JAMA, o risco de morte de um paciente que tenha recebido uma transfusão com um substituto é 30% maior.
Muitos destes problemas se devem à complexidade de se copiar o glóbulo vermelho, que tem a forma achatada. Embora pareça simples, é mais complexa que outras células. Sua membrana possui características que ainda não se conseguiu reproduzir, diz García.
O serviço de saúde britânico Wellcome Trust e o Serviço Nacional Escocês de Transfusões de Sangue aportaram recursos a um grupo de pesquisas da Universidade de Edimburgo, ligado ao Roslin Institute (o mesmo que criou a ovelha Dolly), que trabalha com CT de embriões, para obter hemácias, e espera realizar em 2012 as primeiras transfusões de teste em voluntários.
Além de obter a hemácia, para que o futuro sangue artificial seja realmente útil nos bancos de sangue, será preciso superar outros obstáculos, como a caducidade. Refrigerados, os glóbulos vermelhos duram até 42 dias, e as plaquetas, cerca de cinco dias, uma limitação a grandes estoques. Um fluido artificial eficaz deverá estar disponível sempre. Para isso, não pode ser perecível e deve ser armazenável, como um composto liofilizado que se pudesse dissolver e aplicar na hora.
Outro problema será encontrar um substituto que sirva a todos os grupos sanguíneos. Quanto mais homogênea uma população, mais facilidade terá de auto-abastecimento, porque seus integrantes se assemelham. Porém, o aumento da imigração e, portanto, da diversidade, complica o trabalho dos bancos de sangue.
Se o objetivo é satisfazer a uma grande demanda mundial, de pouco adiantarão algumas células diferenciadas em laboratório, pois será preciso obter métodos de cultivo capazes de criar quantidades suficientes de fluído. Cada milímetro cúbico de sangue doado contém cinco milhões de hemácias, 5.000 leucócitos e 300.000 plaquetas. O corpo gera um bilhão de glóbulos vermelhos por hora.
Com os métodos que se pesquisam, fabricar uma bolsa de 450 ml deverá custar €4.000, ante €200 de uma doação, preço que tende a subir porque os controles para evitar infecções são cada vez mais sofisticados. Um sangue artificial traria a certeza de estar absolutamente livre de contaminação.
Enquanto esse sonho não se realiza, é preciso educar as gerações futuras para que sejam doadoras.
O médico Frederico Carbone Filho, da Cruz Vermelha Brasileira, implantou um programa para jovens doadores, chamado "Clube 25". Essa é uma função educativa, que prega o fazer algo útil por alguém, sem visar nada em troca. Doar-se. www.cvbsp.org.br
Luiz Leitão luizmleitao@gmail.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário