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domingo, 4 de outubro de 2009

A tal "acessibilidade"

Mauro (o nome foi trocado para preservar a identidade) é deficiente visual, e trabalha na Justiça Federal como técnico judiciário. Sua mulher também é cega, e trabalhadora. Seu depoimento ilustra a falência da Secretaria dos Direitos Humanos, da qual só se ouve quando seu titular, invariavelmente, ergue a voz para revolver um passado longínquo, exigindo a revisão da lei de Anisitia, que valeu para criminosos de ambos os lados: agentes da ditadura e insurgentes que visavam a derrubar a tirania vigente por outra, quiçá ainda mais torpe.
Mas o secretário o inalienável direito de defender seu ponto de vista, embora deva dar prioridade aos Direitos Humanos dos vivos.
Esses seres humanos são protegidos por lei que não são seguidas na prática - um hábito brasileiro que vale, com sinal negativo, para os cidadãos comuns, e com sinal positivo, para os poderosos.
Mauro dá alguns exemplos do descaso com gente que, como ele e sua mulher, procuram viver de maneira produtiva e independente, sem pedir favor nenhum a governos, pessoas ou empresas.Os caixas eletrônicos destinados a deficientes, não só visuais, muitas vezes não funcionam.
Eles são equipados com sistema de voz, mas não estão disponíveis na amplitude desejável, no mínimo, um por agência. Aliás, mais que nas agências, esses caixas devem ser acessíveis a deficientes nas lojas de conveniência, por exemplo, onde é mais seguro utilizá-los. Onde houver somente um caixa eletrônico de determinado banco, o correto é que seja do tipo acessível a deficientes, sempre.
Segundo Mauro, o programa oferecido pelos bancos para acesso bancário pela internet, chamado Virtual Vision, um leitor de tela, não é grande coisa. É possível acessar o banco via internet através dele, sim, mas por que não fornecer o leitor de tela JAWS, considerado melhor?
Aqui vai o depoimento literal dele, protegido pelo sigilo da fonte:
"O Banco Real fornece o software Virtual Vision gratuitamente a qualquer deficiente visual que o solicite. "Mas, antes, precisa convencer o gerente, porque normalmente eles não sabem disso. Até mesmo gerentes do Bradesco o desconhecem. E além de o deficiente visual ser obrigado a abrir uma poupança no Bradesco para poder conseguir o software, tem de ensinar ao gerente onde buscar as informações. No Bradesco ainda conta como ponto negativo o péssimo atendimento das agências pessoalmente, e por telefone. Minha esposa que também é deficiente visual, é cliente do Bradesco.Se eu fosse escolher um banco por onde receber meus proventos, escolheria sem dúvida o Itaú. O Itaú como falei no outro e-mail, é o banco que melhor respeita o deficiente visual principalmente no acesso ao Internet banking".
O acesso se dá de maneira absolutamente normal. Não é preciso abrir mão da segurança oferecida pelo teclado virtual, pois o Itaú tornou o teclado virtual absolutamente acessível. O que qualquer banco poderia fazer e simplesmente não faz por incompetência ou porque não quer mesmo que o deficiente acesse sua conta pelo Internet.Mas o Itaú tem um site totalmente acessível.Todavia, deixar de receber os proventos pelo Real, implica em perda de benefícios que são concedidos aos funcionários de determinada instituição federal que recebem por este banco.
Como por exemplo, taxas de juros no empréstimo bem abaixo das praticadas no mercado, envio de DOC gratuitamente, sem tarifa de manutenção da conta.Ou seja, se eu fizesse uma petição judicial para receber pelo Itaú, como gostaria, certamente seria atendido mas, perderia todos esses benefícios.
O correto de acordo com a lei, é que os bancos fossem acessíveis tanto nos caixas eletrônicos, quanto e para mim, principalmente, no acesso ao Internet banking.O Banco do Brasil, também tem uma forma de fazer com que o deficiente visual acesse o Internet deles, por meio de um certificado digital, mas já pedi diversas vezes na agência onde tenho conta, e sempre me enrolam e não fornecem.

Por que os cegos não podem ter um sistema que lhes informe o valor que estão pagando com cartão de crédito? Já pensou, leitor, se você tivesse que assinar um boleto sem ter certeza do valor que está validando? Ora, as bilionárias operadoras de cartões poderiam muito bem implantar um sistema que informe ao usuário deficiente visual, por celular, o valor que será debitado. Se as empresas oferecem a todos o envio das informações sobre operações via e-mail, podem muito fazer o mesmo pelo celular.

Vejamos aqui como é que Mauro se vira:

" Quem sabe se com uma boa campanha na mídia contra esses bancos que não respeitam seus clientes deficientes visuais, o ministério público federal tome uma providência?Sempre que estou com alguém da minha confiança, peço para olharem qual o valor no display." "Aí digito a senha".
"Mas para nós usarmos o cartão não há muito o que fazer. Ou confia no comerciante, ou não usa. Outra coisa, é que para usar caixa eletrônico, só é possível usar, se eu passar minha senha para outra pessoa digitar. Ou seja, aquela recomendação que os bancos fazem de não informar sua senha a ninguém, para nós cegos, é inválida".
Existem alguns bancos que oferecem caixas com sistema de voz. Mas não são todos os caixas, e às vezes não tem jeito mesmo já que, não tem nenhum com este recurso, por perto. O Banco do Brasil tem esses caixas em número bem reduzido, o Bradesco tem esses caixas em maior número, e o Banco Real, pelo qual recebo os proventos, nem agência tem onde moro. Imagine então caixa eletrônico. Apenas posso usar o Banco 24 Horas, e nesses, não há sistema de voz mesmo."
Ora, o Banco 24 Horas opera para vários bancos, por que não adapta seus caixas aos deficientes?
"Normalmente se preciso sacar dinheiro em um caixa eletrônico, entrego meu cartão e senha a alguém em quem confio. Se não tenho ninguém de 'confiança' por perto, ou fico sem dinheiro, ou confio em qualquer um mesmo".
"E para navegar nos sites desses bancos então? É simplesmente impossível. O único banco que tem um site totalmente acessível e sem dispositivos especiais, que na minha opinião são discriminatórios antes de tudo, é o Banco Itaú. O Banco do Brasil, tem uma maneira especial para este acesso, mas que nunca consegui fazer com que ativassem em minha conta. Os técnicos desconhecem, e não procuram atender nossa solicitação. O Banco Real, nem mesmo depois de uma denúncia no Ministério Público Federal (MPF), atendeu à legislação".
"O Itaú tornou seu site acessível depois de uma denúncia no MPF que eu mesmo fiz, quando era correntista deles. Mas parece que se a coisa não for feita pelo MPF, o Ministério Público Estadual, não consegue ser obedecido."
Infelizmente, a denúncia que fiz em relação ao banco Real no MPF, foi remetida para o Ministério Público Estadual, como se o Banco Real apenas atendesse cegos no Estado de São Paulo, ou se a Internet abrangesse apenas este Estado, e o Ministério Público Estadual não conseguiu nada."
Enfim, diz ele, "a Lei já existe mas os bancos não cumprem, e quando fazemos uma denúncia ou entramos com um processo particular na justiça, eles vão enrolando até onde dá."
Eis o que diz a lei: Decreto Federal 5.296/2004, Artigo 5º: Os órgãos da administração pública direta, indireta e fundacional, as empresas prestadoras de serviços públicos e as instituições financeiras deverão dispensar atendimento prioritário às pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida.
Artigo 8º: V - ajuda técnica: os produtos, instrumentos, equipamentos ou tecnologia adaptados ou especialmente projetados para melhorar a funcionalidade da pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida, favorecendo a autonomia pessoal, total ou assistida.
Art. 47. No prazo de até doze meses a contar da data de publicação deste Decreto, será obrigatória a acessibilidade nos portais e sítios eletrônicos da administração pública na rede mundial de computadores (internet), para o uso das pessoas portadoras de deficiência visual, garantindo-lhes o pleno acesso às informações disponíveis.
§ 1o Nos portais e sítios de grande porte, desde que seja demonstrada a inviabilidade técnica de se concluir os procedimentos para alcançar integralmente a acessibilidade, o prazo definido no caput será estendido por igual período.
§ 2o Os sítios eletrônicos acessíveis às pessoas portadoras de deficiência conterão símbolo que represente a acessibilidade na rede mundial de computadores (internet), a ser adotado nas respectivas páginas de entrada.
Art. 51. Caberá ao Poder Público incentivar a oferta de aparelhos de telefonia celular que indiquem, de forma sonora, todas as operações e funções neles disponíveis no visor.
Art. 61.§ 2º Para os fins deste Decreto, os cães-guia e os cães-guia de acompanhamento são considerados ajudas técnicas.
Art. 62. Parágrafo único. Será estimulada a criação de linhas de crédito para a indústria que produza componentes e equipamentos de ajudas técnicas.
Como se vê, a lei é clara.
Embora pareça um estupidez pensar que cegos são deficientes discriminados, o fato é que são mesmo, como relata Mauro:
Estou pensando em comprar um carro.
"Até por medida de segurança, já que não posso andar com meu cão-guia na rua onde moro por conta dos cães da minha vizinha, que já facilitou o ataque deles ao meu cão-guia e a mim. Pois bem, eu como deficiente visual, apenas tenho direito ao IPI". "Enquanto um deficiente que seja condutor, tem direito ao IPI, ICMS, IOF e IPVA".
Interrompo o depoimento para comentar: Os "gênios" do governo devem pensar que, como cegos não podem dirigir, não cabe estender-lhes os benefícios fiscais a que outros deficientes têm direito. Ora, mas um cego pode muito bem contratar um motorista, não é mesmo? Gasta, portanto, muito mais que os outros deficientes, porque paga salário, INSS do motorista, etc.
"Então, para que está escrito na constituição que todos são iguais perante a lei?" "E eu enquanto pessoa com deficiência não-condutor, que preciso contratar um motorista, ter custas trabalhistas se eu quiser fazer tudo legalmente, além de que, terei de mais uma vez confiar um bem adquirido a outrem, tenho direito apenas ao IPI, que diga-se de passagem, já está reduzido para todos, pelo governo".E, talvez depois de estar com o carro, posso pedir a isenção do IPVA".
"Onde estão as garantias constitucionais ao lazer, à segurança, à isonomia, se a lei beneficia alguém em melhor posição, já que não precisa contratar um motorista, e retira de mim e minha esposa, já que ambos somos deficientes visuais, e por tanto, não-condutores, a possibilidade de ter uma melhor condição de vida?"
A questão da confirmação do valor da operação com cartão é uma idéia ótima e que, o Banco do Brasil, salvo erro, já oferece a todos os clientes.O problema é que às vezes a mensagem demora para chegar, segundo relato de alguns conhecidos que usam este serviço do Banco do Brasil".
"A idéia de ser mensagem de voz, é sim um diferencial e de fato maravilhosa. Pois apesar de alguns deficientes visuais já poderem ter acesso a mensagens de texto por meio de um software leitor de tela para celular, chamado TALKS, o qual a exemplo do JAWS, Virtual Vision NVDA e outros, também lê a tela do celular, transformando em voz sintetizada tudo o que fazemos como comandos, menus, digitação e recebimento de SMS, etc."
"Veja só o caso das pessoas que não podem ter este software instalado no celular. São obrigados a pagar para saberem o saldo de crédito do celular, porque as operadoras só informam por SMS. Se quiser ouvir é preciso pagar... E, me diga, quem é que precisa ligar para ouvir o saldo, se não os deficientes visuais?"
"A maioria dos aparelhos que aceitam a instalação do TALKS estão fora de linha, e os novos são caros. E, mesmo os fora de linha, na época em que eram comercializados, eram igualmente caros."
"Eu mesmo, comprei meu primeiro Nokia 6681, na FNAC em 2005, e paguei R$1699,00. Agora em dezembro de 2008 troquei de aparelho e comprei um Nokia N82 pagando R$1099,00. Depois de comprar um desses aparelhos é preciso comprar o software leitor de tela para celulares, o TALKS. Apenas o TALKS, custa aqui no Brasil, em uma instituição supostamente sem fins lucrativos, cerca de R$700,00."
Temos então a opção de comprar a licença em um site da Inglaterra com cartão de crédito internacional, à vista. Mas, ainda assim paga-se menos que no Brasil. www.talknav.com
É meu caro Luiz, parece difícil, mas como eu sempre digo, não é fácil não viu!? Abraços.
Caro leitor, o Brasil tem leis de sobra; de mais, até. Se metade delas fossem rigorosamente cumpridas, estaríamos bem, não é?
Se você puder ajudar de alguma forma que os deficientes visuais sejam menos discriminados que os outros, dê uma força. Imagine a força de superação de alguém que não tem visão, mas trabalha, usa o computador, tenta ser o mais independente possível.
Luiz Leitão

5 comentários:

  1. Olá Luiz Leitão,
    Interessante seu artigo, bem como as observações e sugestões levantadas por seu leitor. Concordo no sentido de que as instituições devem estar cada vez mais preparadas para receber e prestar serviços de qualidade aos portadores de necessidades especiais.
    Destaco apenas que o Decreto Federal que trata de acessibilidade, na realidade é 5.296/2004.
    Parabéns pelo Blog.
    Abraço,
    Haroldo Nascimento
    twitter: hanascimento

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  2. Caro haroldo,

    Tem razão, o número do decreto estava errado, vou corrigir no texto: 5.296/2004.

    Hoje, o jornal O Estado de S. Paulo publica reportagem sobre o desrespeito de motoristas, que estacionam em vagas sinalizadas para deficientes.

    Sem tirar o mérito da matéria, muito oportuna, comento que eu estava justamente pensando que certas ações que conferem visibilidade, são baratas, como pintar o símbolo nas vagas de deficiente, ou colar etiquetas em braillle nos paínés dos elevadores.

    São coisas necessárias, claro, e percebe-se que os estacionamentos e prédios se adequam rápido.

    Já o caso dos caixas eletrônicos e sites custa $$$, e os bancos são sovinas. É uma ação que não dá Ibope, mas é preciso insistir, reclamar, denunciar.

    Um abraço!

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  3. Leitão, gostei do artigo, já que estava mesmo procurando páginas falando sobre a tal acessibilidade oferecida pelos poderosos bancos do Brasil. Eu também já senti muita indignação na hora de adquirir o virtual vision para acessar o bradesco internet banking, realmente parece que estamos falando de coisa do outro mundo para o gerente. Tenho também conta no banco real, mas não consigo de forma alguma fazer login. Não entendo como os dirigentes do banco real afirmam que podemos acessar com total acessibilidade, já que continua no site aquele maldito teclado virtual. Quanto ao amigo Mauro, quero que saiba que o sistema de certificação digital do banco do brasil é uma forma que realmente nos ajuda, e o internet banking da caixa econômica para deficientes visuais é bastante acessível, pois são os que uso freqüentemente na atualidade. Como já deu pra entender, também sou deficiente visual, e adoro poder fazer minhas operações de maneira independente, acho que isso não é pedir demais, é apenas um direito que nos assiste.

    Flávio - Recife - PE
    flavioabusado@gmail.com

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  4. Flávio,

    Claro, pode repassar, é um serviço público que tento prestar aos deficientes. Não te anexei o texto revisado e resumido? Pode repassar a postagem original, e depois que o texto final estiver pronto, antes de publicar, eu o submeto também a você e seus conhecidos, para que opinem, corrijam, sugiram. Quero realmente tentar fazer as empresas cumprirem a lei, e será publicado em jornais.

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  5. Eu fiz esse texto porque tenho um leitor que me fez as queixas. Ele e a mulher são cegos, trabalham, pessoas muito bacanas. Estou transformado a postagem num artigo, que segue anexo para vc ver e opinar. Só falta a resposta da Tecban, empresa dona dos caixas Banco 24 Horas, os mais espalhados pelo Brasil. Quero sebar se eles têm caixas especiais, quantos, onde e se são mais caros.

    O texto é mais enxuto por causa da limitação do espaço em jornais. Toda informação que você der será útil.


    Um abraço, grato pelos comentários,

    Luiz Leitão.

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