Pesquisar conteúdo deste blog

terça-feira, 16 de junho de 2009

A sociedade secreta

O Senado conseguiu uma proeza que nem o mais competente estelionatário imaginaria factível. Fazer viger durante vários anos centenas de atos administrativos com as mais variadas finalidades sem que fossem publicados é uma façanha de admirar qualquer ilusionista, porque na administração pública as sentenças, nomeações e demais providências só passam a produzir efeitos após oficialmente tornadas públicas.
Mas é exatamente a indecência dos magotes de atos administrativos que lotavam as gavetas do diretor-geral do Senado, Alexandre Gazineo, e de seus dois antecessores que os tornavam impublicáveis. Mas a necessidade é a mãe da invenção, e surgiu a novidade dos atos secretos, na verdade um disfarce para um crime definido no artigo 305 do Código Penal, a supressão de documentos: destruir, suprimir ou ocultar, em benefício próprio ou de outrem, ou em prejuízo alheio, documento público ou particular verdadeiro, de que não podia dispor.Mas, como não foram publicados, os implicados dirão que não eram, ainda, documentos.
Ainda assim, a coleção possíveis ilícitos praticados na casa é vasta: prevaricação (art. 319, CP - fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei), emprego irregular de verba pública (art. 315, CP), estelionato (art. 171, CP), peculato (art. 312, CP), corrupção passiva (art. 317, CP), condescendência criminosa (art. 320, CP), usurpação de função pública (art. 328, do CP), tráfico de influência (art. 332, CP), além de quadrilha ou bando (art. 288, CP). É coisa de profissionais mesmo!
Recitando o princípio básico constitucional da publicidade, o ministro Gilmar Mendes, presidente do STF, fez suaves observações a respeito do tema – “Eu tenho a impressão que o Senado em breve vai esclarecer o que ocorreu, sem necessidade de investigação policial ou do Ministério Público”.
A realidade, no entanto, passa a léguas do diplomático juízo do ministro, que logo, logo, poderá ter de julgar pedidos de busca e apreensão que a Polícia Federal e o Ministério Público deverão requisitar, após a PF ver ignorados três ofícios enviados à presidência do Senado solicitando documentos referentes às investigações sobre créditos consignados que teriam sido intermediados por uma empresa da ex-babá do ex-diretor João Carlos Zogbi.
Demitir o diretor Alexandre Gazineo poderia poupar Sarney que, afinal, nem sequer sabia que o neto, de meros 22 anos e sete mil reais de salário era funcionário do colega Epitácio Cafeteira (PTB-MA).
Mas as indecências cometidas na Casa, com a bênção da maioria dos senadores, são tantas, tão antigas e tão variadas, que é pura veleidade aventar a possibilidade da sua reconciliação com a opinião pública, com o eleitorado cujos votos suas excelências tão zelosamente desonram.
Contam-se nos dedos os senadores dignos de frequentar aquela Casa e merecedores dos generosos subsídios e recursos públicos postos à sua disposição.
Escudado numa falsa altivez, o Senado, mergulhado num mar de denúncias e desconfianças, recusa-se a ser investigado, a pôr na mesa as cartas da verdade, a aceitar a escandalosa obviedade que o público não tem de bancar-lhes horas extras imerecidas, convênio médico vitalício para ex-senadores e outras despesas que os trabalhadores comuns pagam do próprio bolso. Uma instituição que opera ao molde de uma sociedade secreta, regida pela omertà, não representa, absolutamente, a sociedade brasileira.
Luiz Leitão luizmleitao@gmail.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário