Observo a figura do papa Bento XVI e não consigo ver traduzidas em seu olhar a bondade e a compaixão pregadas por Cristo.
Não é todavia a expressão dura que me subtrai a simpatia que seria natural sentir pelo representante máximo da Igreja Católica, mas a sua incansável peroração contra a tolerância e a aceitação das diferenças, e o anacronismo de seu discurso.
Papas outros e melhores o precederam, mas nenhum deles ergueu a voz a altura suficiente para conter os abusos cometidos pela sua gente, sacerdotes que deveriam proteger, acolher, compreender, aceitar e mitigar as aflições humanas.
Não é possível que mais de 30.000 crianças, ao longo de 60 anos, tenham sido abusadas por padres pedófilos sem a conivência de instâncias superiores, do Estado, inclusive. De fato, e para surpresa de ninguém, a Igreja Católica fez de tudo para obstar a publicação de uma comissão de inquérito irlandesa sobre abuso infantil, que ouviu os depoimentos de milhares de pessoas, hoje com idades entre 50 e 70 anos, que estudaram em mais de 250 instituições dirigidas pela igreja.
Até as Irmãs da Misericórdia humilhavam meninas, inferiorizando-as, com rituais de espancamento atroz. Denunciadas anos a fio, nenhuma autoridade civil ou eclesiástica tomou providências eficazes para averiguar a autenticidade das queixas.
Ora, se até os mais torpes criminosos condenam e punem os autores de estupros e violências contra crianças, obrigando as autoridades a manter estupradores e pedófilos em celas separadas, chamadas de “seguro”, para que não sejam justiçados pelos outros detentos, como pode o governo irlandês propor a indecência de oferecer indenizações às vítimas sob a condição de não processarem a Igreja e o Estado? A compra, pelo Poder Público (e religioso) da impunidade!
E o que diz Sua Santidade, o papa, diante de tal barbaridade, ou ante o fato de os autores dos mais abjetos crimes contra a inocência terem sido sistematicamente protegidos por seus pares? Sessenta anos de abusos, somente na Irlanda! Centenas de padres católicos irlandeses, psicopatas acusados de maus tratos e abusos sexuais contra milhares de crianças de que deveriam cuidar e proteger. A Casa Pia de Lisboa...
Em 2003 o governo irlandês ofereceu compensações às vítimas no total de US$ 1 bilhão, para apenas 10.000 das 150.000 vítimas que requereram reparações. Se todos os sobreviventes pleiteassem indenizações, a conta atingiria cerca de US$ 14 bilhões, um boom motivo para a prática corriqueira de a Igreja Católica mudar os padres abusadores de paróquia para evitar o escândalo.
Fala-se em “regulamentação” e “comprometimento” por escrito dos religiosos, mas a maioria das vítimas vê a iniciativa com ceticismo porque a Igreja tem muito poder e influência para ser regulada.
Quanto tempo levará a Igreja para compreender que todos esses casos, o do seminal então bispo paraguaio Fernando Lugo, ou o do frei Maurice Dillane, que aos 73 anos teve um filho com sua namorada, de 31 anos, em 2006, escancaram a impossibilidade de se refrear o mais básico instinto natural? E o que seguirá dizendo o papa acerca da homossexualidade, quando o bispo dissidente Pat Buckley brande estatísticas de que até 40% dos clérigos católicos na Irlanda são homossexuais e sexualmente ativos?
Em 2004, o diplomata do Vaticano Diarmuid Martin tornou-se arcebispo de Dublin e pediu cooperação total na apuração de ocultação passada de abusos. Entretanto, a polícia e as autoridades estaduais pouco fizeram para conter o abuso sexual de centenas de crianças por 21 padres, em Ferns.
Nos EUA, a arquidiocese católica de Chicago pagou US$ 1,375 milhão em um acordo extrajudicial após ser processada por abusos sexuais supostamente praticados pelo sacerdote Czeslaw Przybylo, contra um adolescente. A arquidiocese tinha conhecimento das denúncias, mas nunca tomou medidas para apresentar acusações criminais contra ele.
Adicionalmente, um relatório do Colégio John Jay de Justiça Criminal assinalou que 10.667 pessoas acusaram 4.392 sacerdotes por abusos sexuais cometidos entre 1950 e 2002.
Jesuítas dos EUA vão pagar US$ 50 milhões por abusos sexuais a 110 vítimas de aldeias indígenas do Alasca onde padres e missionários cumpriam tarefas da comunidade jesuíta do Oregon.
É sobejamente sabido que dirigentes da Igreja mudaram padres acusados de abusar de crianças para novas paróquias ao invés de destituí-los de sua batina ou denunciá-los à polícia.
Em2002, o Arcebispo Rembert G. Weakland, de Milwaukee, uma das mais veneráveis vozes da Igreja, foi acusado de abuso sexual. No programa televisivo Good Morning America, ele viu o homem por quem havia se apaixonado 23 anos atrás afirmar que a arquidiocese de Milwaukee lhe pagara US$ 450.000 para que silenciasse sobre seu affair com o arcebispo. No dia seguinte, o Vaticano aceitou a aposentadoria de Weakland.
Weakland disse que os bispos e o Vaticano se importavam mais com os direitos dos padres abusadores do que com suas vítimas. Homossexual, ele foi um dos maiores críticos da política de celibato e ordenamento somente de padres.
Em que pesem as indenizações e uma ou outra condenação criminal, nada poderá resgatar a inocência perdida e a integridade física e psicológica dessas crianças, estraçalhadas pelo instinto animal descontrolado de quem delas deveria cuidar, prover e proteger.
Abusar de uma criança, ou mesmo de uma mulher, é invadir-lhes o corpo e a alma, uma brutalidade imperdoável que será lembrada pelo resto da vida, destruindo-lhes a sexualidade, aquela mesma que seus agressores perderam a chance de um dia conhecer quando violaram a intimidade alheia.
As evidências extraídas desses episódios de virar o estômago demonstram que nossas crianças, celebradas por Cristo na memorável frase “Deixai vir a mim as criançinhas”, não são adequadamente protegidas pelo Estado nem pela Igreja
Luiz Leitão luizmleitao@gmail.com
É curioso que não existam denúncias de religiosos judeus ou muçulmanos ou hindus que sejam pedófilos. Eles podem casar e ter filhos,deve ser isso mesmo. Ninguém consegue frear o instinto, mas que se relacionem sadiamente só com adultos.
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