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quarta-feira, 8 de abril de 2009

Da Lei Seca aos barões da droga

Com as melhores intenções, a Lei Seca entrou em vigor nos Estados Unidos em 1920, proibindo fabricação, venda, transporte, importação e exportação de bebidas alcoólicas, a fim de proteger os americanos dos malefícios do álcool.
Amplamente burlada, tornou-se um negócio em escala industrial controlado pelos gângsteres de Chicago, com o desenvolvimento de uma espiral de violência sem precedentes.
O tráfico ilegal de bebidas, guardadas as proporções, tem um paralelo moderno nas atividades dos grandes barões da droga, na extrema violência com que agem, nas brigas entre grupos rivais, na matança disseminada, na falsificação dos produtos, popularmente chamada de “batizar”, e na corrupção policial.
Outra semelhança é o bem-intencionado propósito de proteger as pessoas dos malefícios das drogas recreativas. Por ironia, talvez não tenha havido maior e melhor propaganda em favor do consumo de álcool do que jogá-lo na ilegalidade, fazendo a indústria de bebidas clandestina proliferar por todo o país, sem controle, sem o pagamento de impostos.
Se hoje os chamados “mulas” do tráfico transportam droga escondida no corpo ou nas vestes, os bootleggers levavam álcool oculto no cano de suas botas para vendê-lo aos índios.
Somente após catorze anos de convívio com a violência e os demais danos causados pela imposição da Lei seca, os americanos decidiram revogá-la. O presidente Franklin Delano Roosevelt, em dezembro de 1933, reconhecendo a ineficácia do mau combate ao consumo de álcool através sua proibição, revogou a Lei Seca, golpeando de morte o crime organizado.
A história se repete na atual luta contra os modernos cartéis das drogas, com as mesmas características: disputa mortal pelo controle de territórios, corrupção de agentes públicos, enriquecimento dos traficantes e praticamente nenhum resultado na queda do consumo.
Apesar de todo o custoso aparato empregado na repressão ao tráfico, o uso de drogas não cai, e não é por incompetência das autoridades. Em 2007, a polícia paulista havia aumentado em 56 por cento as prisões de traficantes (dados do Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN), e nem por isso houve redução no consumo. O Estado do Rio de Janeiro despendeu aproximados R$ 120 milhões na luta contra os traficantes.
Estima-se que o Primeiro Comando da Capital (PCC) fature RS 2 milhões mensais com o tráfico dentro dos presídios paulistas, segundo o Ministério Público Estadual.
Assim como os gângsteres americanos dos anos vinte batizavam ou falsificavam as bebidas alcoólicas para aumentar seu lucro, os barões da droga fazem o mesmo, com grandes riscos para a saúde dos usuários, que aspiram pó de mármore, talco ou vidro moído misturados à cocaína, ou crack misturado à maconha, chamada “craconha”, que vicia rapidamente.
Pela extrema violência na luta entre traficantes, o México é a bola da vez quando o assunto é tráfico de drogas, sendo classificado como um “estado falido”, uma inverdade. O presidente Felipe Calderón tem alocado grande parte das forças policiais e militares na guerra contra as drogas: 45 mil soldados e 29 mil, policiais federais, mas o inimigo parece mais forte e organizado.
Uma curiosidade é que o México, assim como o Rio de Janeiro, gasta com a repressão, anualmente, praticamente os mesmos valores que o tráfico arrecada (US$ 40 bilhões e R$ 129 milhões, respectivamente).
Em números de 2008, cerca de 208 milhões de pessoas usaram drogas em todo o mundo, o equivalente a toda a população do Brasil, mas a grande iniqüidade é que 2,5 milhões de pessoas morrem anualmente em decorrência do consumo do álcool, enquanto as drogas ilícitas matam apenas 200 mil pessoas anualmente, e o cigarro, 250 mil.
O Afeganistão produz mais ópio hoje do que em 2007, e Mianmar é o segundo produtor mundial da substância. Mais barata e, por isso, mais popular, a maconha é a droga mais produzida e consumida no mundo.
A Guiné-Bissau, que recentemente teve assassinados seu presidente Nino Vieira e o chefe do Estado-maior do Exército Batiste Tagmé na Waié, é o que se pode chamar de um legítimo narcoestado, um entreposto da droga produzida na América do Sul, de onde é distribuído para a Europa.
O Peru, com o ressurgimento do grupo Sendero Luminoso, numa nova versão de narcoguerrilha, tem visto o cultivo da folha de coca aumentar, em regiões inóspitas da selva amazônica, na remota localidade de Rio Seco. O país produz atualmente 290 toneladas de coca, trás apenas da Colômbia. Com a prisão, nos anos noventa, de Abimael Guszmán, seu líder, o Sendero Luminoso vive hoje de cobrar proteção de traficantes e produzir a própria droga, na mesma linha das FARC colombianas.
Os autores do relatório da ONU sobre o combate às drogas declararam que não há evidências de que o problema global das drogas tenha sido minorado. “A produção e o tráfico apenas redistribuíram as atividades”, e os resultados da inutilidade da atual estratégia de combate a esta forma de crime organizado falam por si.
Com todos os esforços envidados, anos a fio, as drogas são inerradicáveis, como admitiu uma autoridade mexicana.
Um mercado de mais de US$ 300 bilhões anuais, com um poder coercitivo e corruptor esmagador, o tráfico de drogas deveria ser atacado por outros ângulos, como o da redução de danos aos viciados, o investimento em clínicas de desintoxicação e tratamento psicológico de qualidade, que custam caro, mas talvez não tanto quanto o combate cego, militarista, que tem sido dado à questão.
O exemplo do fim da Lei Seca, que acabou com o tráfico de bebidas e a violência a ele relacionada pode ser a resposta.
Luiz Leitão luizmleitao@gmail.com

Um comentário:

  1. Gostei dos argumentos. Sou psiquiatra e meu enfoque é pelo acolhimento do dependente e pelo "não" a essa repressão que só aumenta corrupção e ganhos dos traficantes.

    Tem razão, a comparação c/ a lei seca americana é perfeita.

    Jonas

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