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terça-feira, 5 de junho de 2007

Uma sentença, duas lições

O Congresso, para gáudio de todos quantos têm suportado os seguidos desaforos dos parlamentares, foi surpreendido por uma notícia tão inesperada quanto inusitada: a determinação judicial da suspensão da chamada verba indenizatória, a infeliz criação do ex-presidente da Câmara, Aécio Neves. A juíza de primeira instância federal Monica Sifuentes não resvala para a demagogia quando fundamenta sua decisão no argumento de que os parlamentares já recebem remuneração adequada - e, vale acrescentar, não fazem jus àquela verba acessória. A ação popular impetrada pelo advogado e ex-deputado João Cunha, do – quem diria – PMDB, demonstra que é possível, sim, reagir à monumental indiferença de suas excelências à opinião pública. Atingidos em seu ponto mais sensível, - quiçá o único (sim, porque um escândalo a mais ou a menos não faz diferença para uma classe que conta com a desaprovação de 99% da população, segundo recente pesquisa CNT/Sensus)-, o bolso, os congressistas, possessos, irão, além do óbvio recurso da decisão, representar contra a juíza, como se ela estivesse exorbitando de seu poder discricionário. Até os parlamentares mais sérios lamentaram a decisão, alegando que as verbas são utilizadas com transparência – o jornalO Globo denunciou, em 2006, o uso de notas frias-, mas a questão não é essa, e sim o alto custo da representação popular, acima de R$100 mil mensais. São R$16.512,09 de salário, recém-reajustado, R$15.000,00 da verba indenizatória, as passagens, incluindo aquela mensal de ida e volta para o Rio de Janeiro, o auxílio-moradia de R$3.000,00, a cota de passagens aéreas até para os deputados distritais, que moram e trabalham em Brasília, não se justificando os R$4.203,91 que recebem mensalmente ; mais R$50.818,87 para o custeio de funcionários de seus gabinetes, além dos R$4.268,55 da cota postal (na era do e-mail) e telefônica e dos R$6.000,00 para gastos com publicações. O presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, tem direito a mais, R$21.500,00, valor suficiente para mais de 40 viagens a seu Estado, São Paulo, calculando-se pela tarifa promocional. A sabedoria popular diz que o que é tratado não é caro, mas é aí mesmo que o bicho pega: nossas excelências são contratadas pelo voto popular, infelizmente sem direito a rescisão, para nos representar, jamais para a prática da auto-representação, tampouco para que gastem o escasso tempo em que estão presentes na Capital para literalmente comandarem empresas estatais ou autarquias através de seus nomeados. Tampouco são pagos para propor idiotices como a proibição do uso de garrafas PET (deputado Jovair Arantes, PTB-GO) ou minudências. a exemplo dos dias da Imigração Portuguesa, do Frevo, etc. Por tudo que se tem visto, pela deplorável qualidade dos serviços prestados, os parlamentares brasileiros são regiamente pagos, e apenas a título de respeito para com os, digamos, representados, e por coerência, deveriam, se conseguirem derrubar a liminar que lhes dá justa navalhada no excesso de verbas que recebem, ao menos renunciar às passagens para o Rio de Janeiro, que não são pagos para fazer turismo. A reclamação do deputado Vic Pires Franco (DEM-PA) na CPI do Apagão, a respeito das barras de cereais servidas nos vôos da empresa Gol é emblemática da mediocridade e falta de senso de missão e objetividade de alguns, e, por que não dizê-lo, da desproporção entre o merecimento e os ganhos auferidos por quem legisla de costas para o eleitorado. A sentença da juíza Sifuentes, ainda que venha a ser reformada, é digna de aplausos, não só por ser irreprochável, mas, principalmente, por seu caráter didático: aos cidadãos, sobre o valor de uma iniciativa; aos parlamentares, por demonstrar-lhes que as pessoas “comuns” podem, através de uma ação popular, expressar, com veemência e eficácia, sua insatisfação. Luiz Leitão luizleitao@ebb.com.br

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