“O que a mulher espera de um homem?” Foi esta a pergunta inteligentíssima da psicóloga Roseli Sayão dirigida no “Roda Viva” a um perplexo Arnaldo Jabor, o qual com toda sua agilidade mental e com sua diferenciada experiência com o feminino, teve a honestidade de responder, simplesmente, “- não sei”. Foi o silêncio do sábio. Porque não é fácil responder de bate-pronto a essa questão embaraçosa, sem cair numa seqüência dos piores lugares-comuns.
Quanto a mim, que estou longe de ser sábio como aquele simpático beduíno carioca, nem disponho de sua fluência comunicativa e muito menos de sua rica experiência com o sexo oposto, será perdoado o atrevimento e a ingenuidade de tentar uma resposta, ainda que trôpega e insuficiente.
Em outros tempos seria bem mais fácil encontrar uma resposta. Esperamos dos outros aquilo que nos falta. O machismo cego e obtuso da era patriarcal cunhou para a mulher a falsa qualificação de “sexo frágil”. Ora, a mulher nunca foi frágil, e em situações difíceis costuma mostrar-se mais forte que o homem. No entanto, seja por convenção social, ou por astúcia, a mulher aceitou a gosto o papel (falso, repito) de “sexo frágil”. Era tão bom e tão cômodo ser mimada pelos homens em sua convencionada “fragilidade”, e tão estratégico disfarçar sua força sob a pele de uma ovelhinha inofensiva! Seja como for, a mulher introjetou esse falso papel, procedendo como pessoa fraca, insegura, e projetando no homem, no varão, as virtudes que, supostamente, lhe faltavam: a fortaleza, a ousadia, a segurança, a coragem a toda prova. Era isso tudo o que ela esperava do homem.
Hoje a situação mudou. Aquela ridícula máscara de “sexo frágil” caiu em desuso. A mulher compete publicamente com o homem, de igual para igual, em todos os setores, com êxito crescente. Destoa desse avanço feminino a declaração daquele presidente da Universidade de Harvard, sugerindo que as “diferenças biológicas” inatas entre homens e mulheres explicam o número menor de pesquisadoras nas ciências exatas. A persistência desses nichos de estupidez até na universidade, comprova que a ignorância não é produto da falta de conhecimento e de informação, sim que é uma atitude deliberada de oclusão mental. Parece estranho, mas a burrice pode ser, também, uma livre opção.
Na natureza não existem homens e mulheres; só existem machos e fêmeas, em estado bruto. Homem (o varão) e mulher constituem criações históricas e culturais, lapidações da ganga bruta da animalidade, imprimindo a cada sexo sua tipicidade e seu estilo, o qual varia conforme as culturas e os estágios históricos. Em Roma, o tipo consagrado da masculinidade culminava na figura imponente do patrício,(“Nolli me tangere”, ninguém me toque), com sua toga e o orgulho inflexível de classe e de família, em contraste com a figura feminina da mater famílias, reclusa no lar. Na Idade Média surgiram o cavaleiro e a dama, figuras de grande caráter, posteriormente rebaixadas nos modelos inexpressivos do gentleman e da lady (o cavaleiro, ou cavalheiro é o homem que sabe o que deve fazer, o gentleman é o homem que sabe o que não deve fazer).
“Homem” e “mulher” constituem montagens armadas pela sociedade, pela História e pela cultura, tipos genéricos aos quais ainda se sobrepõe a classe social, os usos e a educação, a categoria profissional, a moda com seus renovados estilos não só de vestir, como de opinar e de preferir. Em suma, a pessoa única e insubstituível que é cada um de nós, apresenta-se em sociedade mascarada, disfarçada, falsificada pelas categorias genéricas e impessoais de comportamento, a ponto de em nosso cotidiano não sabermos quem é quem de verdade, e até quem somos nós para nós mesmos.
É assim, de forma encoberta por certo modelo prefixado de ser homem ou mulher, acrescido de toda uma espessa camada de condicionamentos impessoais, aceitos todos mecanicamente, “porque sim”, que ambos os sexos se apresentam um frente ao outro. Debaixo de todos esses disfarces, de toda essa caracterização teatral que nos empresta a vida social, vivemos na ignorância recíproca de quem é o outro de verdade, e até de quem somos nós para nós mesmos.
O que a mulher espera de um homem? Ela espera, implora, exige que o homem eleito a revele em toda sua verdade e em toda sua intimidade, ocultas na comédia da vida social que a falsifica em cada gesto, em cada palavra, em suas preferências (as de “todo-o-mundo”), até em seu corpo e em seu rosto padronizados. A mulher espera do homem que a descubra, que revele à luz da evidência aquela pessoa secreta, que é ela mesma, oculta debaixo das convenções sociais. E o homem, por sua vez, não espera outra coisa, quer que também ele seja descoberto pela mulher, pela mulher amada. Pois é o amor a via preferencial do desnudamento recíproco, não somente dos corpos, como da personalidade de cada um dos amantes que palpita em segredo, esperando o dia da revelação.
Perdida e dividida em meio à confusão dos papéis que representa, o que a mulher amorosa espera quando se atira nos braços do homem eleito, olhos nos olhos, é que ele responda à pergunta dilacerante “- afinal, quem sou eu?” E à medida em que ela ouve a resposta, vai aflorando em seu ser uma nova pessoa. Idem para o homem. Se não amo, sou um, se amo, sou outro. Muito ao contrário do que se diz, o amor não é cego. O amor é vidente e previdente, ele enxerga no fundo das almas e do futuro. O amor é divinatório e perspicaz. E feliz foi Pascal ao escrever: “Os poetas não têm razão de nos pintar o amor como cego. É preciso tirar de seus olhos a venda e devolver-lhes a fruição de seus olhos” (Sur les passions de l’amour).
Gilberto de Mello Kujawski tem no prelo o livro “A identidade nacional e outros ensaios” (Funpec). Não está ligado a nenhuma academia, Faculdade ou partido político.
E-mail: gmkuj@terra.com.br
***Publicação gentilmente autorizada pelo autor.
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