José
Nêumanne
As ruas calaram
por falta do que propor e a sucessão está na mesma por falta de algo
melhor
Em junho, as
multidões saíram às ruas para reclamar de tudo o que está aí – a inflação que
corrói o valor da moeda com que é pago o salário do trabalhador, a corrupção
desenfreada, a péssima gestão pública (principalmente na saúde, na educação e na
segurança pública, mas não apenas nesses setores) e outras mazelas
institucionais. Eram todos contra tudo. Em julho, milhões foram à Praia de
Copacabana se encantar com o papa humilde que carrega a própria maleta de mão, é
favorável aos humildes e tolerante com os casais divorciados e os homossexuais.
Agosto entrou com Francisco no Vaticano e os brasileiros em casa, deixando ao
papa o que é do papa e aos políticos o que dos políticos é. Entre mortos e
feridos salvaram-se quase todos.
De início, os
políticos assustaram-se. A presidente Dilma Rousseff, de estilo bruto, embora
oscilante, choramingou em particular e despejou ideias em público para “atender
ao clamor das massas”. Nada do que ela propôs pegou. Tentou dar o golpe da
Constituinte exclusiva para a reforma política para consolidar na Constituição
ações para fazer o próprio partido crescer e prosperar: cobrar as contas pesadas
das campanhas eleitorais pegando dinheiro do bolso furado do contribuinte
extenuado e transferir do cidadão a escolha de seu representante para a
zelite dirigente partidária pelo voto de lista. O resto – acabar com os
suplentes no Senado e com as votações sigilosas nos plenários do Congresso
Nacional – era a perfumaria para disfarçar o odor desagradável do oportunismo
golpista sem disfarce do que só interessava de fato ao seu Partido dos
Trabalhadores (PT). Ninguém havia exigido na rua a reforma política, mas o
cinismo passou batido, de vez que a fábrica de factoides dos marqueteiros do
Planalto trouxe à baila o plebiscito, uma consulta prévia ao povo para fazer o
que não salvaria um paciente mal atendido num hospital público nem educaria uma
criança no ensino público, que continua não apenas indigente como sempre foi,
mas só faz piorar.
E em resposta às
queixas contra a saúde pública Dilma propôs aumentar de seis para oito anos a
duração dos cursos de Medicina, restaurando os trabalhos forçados extintos no
século 19 no Brasil por outra mulher, a princesa Isabel. A ideia absurda foi
abandonada, mas o alvo, não. Aproveitando-se do fato de os médicos muitas vezes
não se comportarem à altura do que deles é exigido no cumprimento do juramento
que fazem repetindo as palavras de Hipócrates, o governo transferiu para eles
toda a culpa pelo péssimo atendimento, aproveitando-se do contato direto que
eles têm com os pacientes, ao contrário dos gestores públicos, que ficam a
confortável distância dos doentes.
Nada do que ela
propôs deu solução a nada. E com a queda espetacular de 28 pontos porcentuais na
preferência do voto para sua reeleição na pesquisa Datafolha em três meses (de
58% em 20 e 21 de março para 30% em 27 e 28 de junho), seus aliados se viram em
condições de aumentar o preço do próprio passe, enquanto os opositores passaram
a sonhar com o milagre da vitória em 2014. Mas em 7 e 9 de agosto o índice dela
subiu cinco pontos e os áulicos agora aguardam a nova rodada da pesquisa para
decidir se continuam mamando nas tetas oficias e permanecem em seu palanque ou
lhe viram as costas em busca de perspectivas mais
alvissareiras.
A pesquisa da
Datafolha publicada no domingo foi uma ducha gelada no ânimo dos ingênuos que
acreditam que o povo seja um coletivo virtuoso de uma massa composta por
ingredientes diversos e imperfeitos de uma multidão disforme. Esta reclamou de
tudo o que está ruim, mas está longe de ter a mínima ideia do que se fazer para
melhorar. Dilma é o que é e a alternativa ao governo chinfrim não é algum
opositor sem nada melhor a oferecer nem o ex-aliado indeciso entre os sobejos do
ágape governista ou o jejum do deserto sem poder.
Ora, ora, a
alternativa a Dilma é Lula, que também ganhou cinco pontinhos entre o clamor das
massas e a fria calma da ressaca atual, mas passou para 51% da preferência, ou
seja, mantém a perspectiva da vitória em primeiro turno. O ex-presidente não é
candidato, mas continua seu padrinho e basta que transfira o cacife dele – feito
de que já se mostrou capaz há três anos – para levá-la a uma inédita vitória
petista no primeiro turno. E se isso não ocorresse, ela levaria vantagem sobre
todos os eventuais adversários no provável segundo turno, conforme a
pesquisa.
Fora do palácio,
Marina Silva, da Rede, é a que mais se aproxima da favorita, mas não tão próxima
assim (46% a 41%) e ainda sem condições sequer de disputar, pois não tem partido
formalizado. Outro sem partido, Joaquim Barbosa, ficou em terceiro lugar, 23
pontos abaixo de Dilma (53% a 30%), com índice bem semelhante ao do tucano José
Serra (52% a 31%), que deixou o correligionário Aécio Neves na poeira (53% a
29%). O desempenho de Eduardo Campos (55% a 23%) indica que o melhor que ele tem
a fazer é esperar 2018.
Tudo ficou como
dantes no cartel de Abrantes, o que não surpreende quem aprendeu com o Barão de
Itararé que “de onde nada se espera é de onde nada virá”.Tendo perdido uma
eleição municipal para o neófito Fernando Haddad, Serra nada acrescentou ao que
já se sabe: ele quer ser presidente, mas não convence eleitores suficientes de
que merece seu voto. Em vez disso, protagoniza o escândalo de um eventual cartel
para licitações no Metrô e em trens suburbanos, que permitiu aos adversários um
neologismo cruel (o trensalão) e uma dúvida nunca esclarecida de que
tucanos e petistas seriam “farinha do mesmo saco”. E a presidência nacional do
Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) de nada serviu para o senador
Aécio Neves provar que é melhor do que Dilma.
As ruas calaram
por falta do que propor e a sucessão não saiu da mesmice pela falta de quem
proponha algo melhor.
Jornalista,
poeta e escritor
(Publicado na
Pag.A2 do Estado de S. Paulo de quarta-feira 14 de agosto de
2013)
Nenhum comentário:
Postar um comentário