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domingo, 16 de junho de 2013

Sinais de mudanças na política de proibição de drogas


Amanda Feiding

Até nos EUA, o modelo de proibição está se desfazendo à medida em que os estados votam pela legalização da posse de quantidades limitadas de cannabis. 



Os dois últimos meses foram um período incrivelmente movimentado e produtivo para a reforma da política global de drogas e pesquisas científicas sobre drogas psicodélicas. Nunca em meus 15 anos como diretora da Beckley Foundation assisti a um progresso tão rápido nesses campos complementares.

No começo desta semana, o Imperial College e a Fundação realizaram um fórum sobre pesquisas com drogas psicodélicas, em que se discutiram os avanços obtidos pelo research programme (programa de pesquisas) de nossa organização e foram feitas apresentações de cientistas de todo o mundo. E em abril, a Psychedelic Science Conference de três dias de duração, realizou-se em São Francisco, também tendo como co-anfitriã a Beckley Foundation.

Pelo menos o valor potencial desses compostos está começando a ser explorado. Eles não apenas são os caminhos para a compreensão da própria consciência, mas também – isoladamente ou com auxiliares à psicoterapia – abrem caminho para o tratamento de várias doenças humanas, como  depressão, cefaleia em salvas, ansiedade, vício e distúrbio de estresse pós-traumático. Depois de muitos anos nas sombras, estamos finalmente começando a descobrir o potencial desses compostos, que estão tão intimamente inter-relacionados com a neuroquímica humana  causadora de mudanças  radicais na consciência que – com um manuseio cuidadoso – podem ser direcionadas para o tratamento de doenças e transformar a conscientização.

As pesquisas sobre o potencial dessas drogas foram  bloqueadas durante os últimos quarenta anos por elas serem consideradas "substâncias controladas". Isso as cercou de tabus e regulamentações que ainda tornam as pesquisas extremamente difíceis e caras, impedindo o trabalho de todos, exceto os mais  determinados.Tenho a felicidade de ter colaborado durante os últimos anos com os principais pesquisadores, entre os quais David Nutt do Imperial College, Valerie Curran da UCL e Roland Griffiths da Johns Hopkins University, em Maryland, EUA.

Após décadas escondida, a Cinderella da ciência está se aprontando para o baile.

No dia anterior à conferência em  Londres eu retornei da Guatemala,onde havia sido convidada pelo  presidente Otto Pérez Molina para comparecer à Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos, na bela e antiga capital de La Antigua. 

A assembleia discutiu um relatório sobre O Problema  das Drogas nas Américas, comissionado pela OEA no ano passado e lançado em uma cerimônia no palácio presidencial em Bogotá, à qual eu compareci em maio.

O relatório e o encontro marcam um  paradigma de mudança ao iniciar um diálogo intergovernamental que reconhece a necessidade de maior flexibilidade, pragmatismo e respeito por opiniões divergentes. Como disse o secretário-geral da OEA, "Nós estamos tocando em temas delicados, mas precisamos  questionar a política de drogas."

Até o representante dos EUA,  o secretário de estado John Kerry, disse que os esforços devem se concentrar no tratamento dos usuários e na educação, em vez de jogá-los nas prisões. Finalmente, um importante organismo internacional está reconhecendo que o abordagem dominante do proibicionismo para controlar o uso de drogas estabelecido nas convenções da ONU de 1961, 1971 e 1988 precisa ser revista. Há uma concordância quase unânime  na América Latina de que a "guerra contra as drogas" está perdida, com os líderes sendo cada vez mais enfáticos a respeito de sua determinação em "apertar o botão de reset", isto é, parar e recomeçar de outra forma a cuidar dessa questão.

Agora presidentes e ex-presidentes de vários países, e outras figuras importantes, reconhecem publicamente a necessidade de mudança – como expresso pela Commissão Global de Políticas sobre Drogas e pelos signatários  da Carta Pública da Beckley Foundation.O  Presidente Santos da Colômbia lançou um apelo mundial para se que se busque novas formas de lidar com o flagelo do comércio ilegal de drogas, incluindo a possibilidade de legalização e regulamentação.

O presidente  Pérez Molina, que no ano passado convidou a Beckley Foundation a aconselhá-lo a respeito de uma reforma da política de drogas, é o  principal defensor em âmbito internacional da  urgente necessidade de uma nova abordagem. Ele é acompanhado pelo presidente Santos outros líderes latino-americanos, como os  presidentes Mujica, do Uruguai, e Evo Morales, da Bolívia, cujos países sofreram tão profundamente em decorrência da abordagem proibicionista dos últimos 50 anos, e que agora buscam novas soluções para melhorar a saúde, segurança, desenvolvimento e educação.

Nós nos sentimos honrados em prestar aconselhamento ao presidente Molina e seu  governo, já que do meu ponto de vista a abordagem inapropriada do controle de drogas ilícitas causou muito mais danos do que as drogas propriamente ditas. A Beckley Foundation sempre defendeu uma abordagem baseada em provas,orientada para a saúde, redução de danos e  boa relação custo-benefício que respeite os direitos humanos.A marca de uma política de drogas bem-sucedida não deve ser a quantidade de drogas apreendidas ou a quantidade de pessoas encarceradas, mas a segurança e estabilidade das instituições de estado, além da saúde e bem-estar de seus cidadãos.

Vale lembrar que, segundo estimativas da ONU, apenas 5% da população mundial faz uso de drogas, e menos de 12% desta parcela se tornam usuários problemáticos. O mau uso de drogas deve ser tratado como problema de saúde. As pessoas que usam drogas sem prejudicar as demais não deveriam mais ser criminalizadas do que bebedores moderados de bebidas alcoólicas.

Mesmo nos EUA, o modelo de proibição está começando a ruir: em novembro passado, os estados do Colorado e Washington votaram pela legalização da posse de quantidades limitadas de cannabis – mesmo para uso recreativo. A política em relação  à cannabis está caminhando progressivamente na direção da descriminalização e regulamentação. Não poderiam todos os danos relacionados a drogas ser reduzidos com maior eficácia em um mercado estritamente regulado do que no atual regime de ilegalidade, que é completamente  sem regras (com drogas falsificadas, batizadas)?

Depois de 50 anos de proibição, o fato é que as drogas estão mais baratas e mais disponíveis do que antes. O dano colateral – particularmente em países que produzem as drogas e aqueles através dos quais elas são transportadas – é devastador. Certamente os governos em todo o mundo podem fazer um trabalho melhor para limitar os danos do que os cartéis, cuja única motivação é o lucro, e que são os principais beneficiários da atual abordagem.

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