José Nêumanne
Sem igualdade de
oportunidades na eleição, democracia é injusta ilusão
enganosa
A presidente
Dilma Rousseff não compreendeu a evidência que emergiu das urnas venezuelanas na
última eleição presidencial. A Venezuela é – sempre foi – um país dividido ao
meio. Nos últimos anos, o carisma de Hugo Chávez, apoiado numa capacidade de
comunicação e numa loquacidade similares às do compadre dele e padrinho dela
Luiz Inácio Lula da Silva, fez a balança pesar mais para seu lado. Mas sua morte
restaurou o equilíbrio de antanho e de nada adiantaram os truques continuístas
incorporados às instituições políticas e eleitorais do país pelo comandante
bolivariano para evitar que a calamitosa situação econômica se refletisse nas
urnas.
A pequena margem
da maioria de Nicolás Maduro sobre Henrique Capriles e o fato de ela contrariar
o resultado de pesquisas de boca de urna não caracterizam, por si sós, ter a
contagem de votos sido fraudada. Mas também não faltaram evidências de uso
abusivo da máquina pública em favor do presidente reeleito. Só o fato de ter ele
feito propaganda partidária à véspera do pleito na televisão pública evidencia a
quebra de um conceito elementar de uma disputa eleitoral numa democracia digna
dessa denominação: a igualdade de oportunidades para quem dispute a preferência
do eleitor.
Não dá para
questionar a legitimidade da escolha de Dilma para presidir o Brasil. Mas a
lisura dos resultados eleitorais brasileiros, que nunca foi posta seriamente em
dúvida, não a autoriza a apoiar, em nome da Nação toda, nenhum dos lados numa
eleição sobre a qual paire alguma dúvida. Até porque a votação foi parelha
demais e a evidência dessa igualdade exige um mínimo de respeito democrático a
quem optou pela substituição do escolhido por Chávez por um oposicionista. Dilma
não é presidente apenas de quem a sufragou. Vigendo neste país uma democracia de
fato, e ninguém tem o direito de duvidar disso, ela governa em nome de todos. Só
que não deveria usar esse peso para ajudar a um amigo ou parceiro de crença
ideológica.
Ainda mais
quando o amigo e companheiro apoiado levou a ferro e fogo até a última faísca a
convicção que ela mesma já expressou, em plena campanha antecipada para
continuar no poder, de que é lícito “fazer o diabo” para ganhar uma eleição.
Felizmente, o Brasil não é a Venezuela. As instituições de nosso Estado
Democrático de Direito não permitem a licenciosidade de que os bolivarianos
lançaram e lançam mão no país vizinho para controlar Judiciário e Legislativo
como se fossem não Poderes autônomos, mas instâncias subordinadas aos
mandatários do Executivo. E, Dilma seja louvada, a livre comunicação nestas
plagas impede que nossos governantes transgridam as leis.
Convém, no
entanto, que as forças vivas da sociedade brasileira atentem para manobras, nem
sempre muito sutis, às quais a aliança que sustenta o governo federal, com fome
e força de leão, apela para não largar o osso suculento das presas da caçada
institucional. Tudo tem sido feito no atual governo para assegurar à sua chefe a
vitória – e sem ter de disputar segundo turno – no pleito federal do ano que
vem. Diante da perspectiva de retirada do aliado histórico Eduardo Campos,
presidente nacional do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e governador de
Pernambuco, a chefe do governo tratou de ampliar sua base de sustentação
atraindo para o palanque o Partido Social Democrático (PSD), do ex-prefeito de
São Paulo Gilberto Kassab. E de manter a sociedade com o Partido do Movimento
Democrático Brasileiro (PMDB), com direito ao bis de vice.
Para evitar
deserções ela tratou ainda de jogar no lixo as abandonadas intenções de sanear a
Esplanada dos Ministérios, trazendo de volta para lá os maiorais do Partido
Democrático Trabalhista (PDT) e do Partido da República (PR), que haviam sido
defenestrados em nome da decência cívica e da probidade administrativa.
E da mesma forma
que abre mão de nobres princípios assumidos como bandeira no princípio do
governo, Dilma Rousseff também recorre ao pretexto de uma nobre providência
necessária para reduzir o déficit de representatividade na democracia nacional
apenas para atender ao mais deslavado oportunismo. Com a mesma desfaçatez com
que cria ministérios para abrigar o maior número de partidos na base governista,
a presidente levou a Câmara dos Deputados a aprovar a toque de caixa novas
regras para impedir que ex-aliados e eventuais adversários no futuro inflem seus
palanques. A lei aprovada na Câmara e encaminhada ao Senado modificando os
critérios de distribuição das verbas do Fundo Partidário e dos segundos no
horário da propaganda partidária no rádio e na televisão é a mais deslavada
prova de acerto da filosofia avoenga segundo a qual “de boas intenções o inferno
está cheio”. Prova-o o emprego de dois pesos e duas medidas no tratamento de
sombra e água fresca dado ao futuro aliado Kassab, oposto à dieta de pão e água
a que submeterá os ex-companheiros de jornada Eduardo Campos e Marina
Silva. Com direito ao
cínico comentário do ministro-chefe da Secretaria da Presidência, Gilberto
Carvalho, que atrelou o expediente malandro de desfalcar desde já adversários
prováveis de daqui a 18 meses ao preceito democrático da fidelidade partidária,
necessária demonstração de respeito à soberana vontade da
cidadania.
Ainda que o
presidente do PSDB de Minas, deputado Marcus Pestana, exagere ao comparar a
iniciativa de Dilma ao “pacote de abril”, que garantiu à ditadura militar a
vitória eleitoral em 1977, mas não lhe assegurou a sobrevivência, o casuísmo
continuísta excede em cuidados. Como a reeleição da presidente é muito provável,
mesmo que só ocorra no segundo turno, essa pressa toda na corrida de sede ao
pote deixa no ar um preocupante desapreço à igualdade de oportunidades, sem a
qual a democracia é uma falsa ilusão enganosa e injusta.
Jornalista,
poeta e escritor
(Publicado na
Pag.A2 do Estado de S. Paulo da quarta-feira 24 de abril de
2013)
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